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Mulheres, trabalho e vida pessoal

A equidade de gênero está prevista para 2036

Pesquisa do Manpower Group mostra que líderes empresariais mundiais preveem equidade de gênero em 20 anos; eles têm consciência de que só políticas e programas inclusivos não bastam

Por Adriana Salles Gomes
Atualização:

Anote no seu Outlook Calendar. No dia 29 de fevereiro de 2036, que também será um ano bissexto, teremos atingido a equidade de gênero nas empresas. Essa é a previsão mais pessimista que aparece em uma pesquisa qualitativa com 222 líderes empresariais mundiais, sendo 111 da cúpula - suas empresas empregam cerca de 500 mil pessoas em 25 países.

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Essa previsão foi feita por mulheres que ocupam posições de liderança nas empresas com até 35 anos de idade, 100% convictas de que sua geração será a primeira a viver um ambiente de trabalho mais igualitário em oportunidades de carreira. Elas acreditam que sua geração, a Y (dos nascidos de 1980 para cá), realmente verá isso acontecer.

O maior otimismo coube aos líderes homens da geração X e aos baby boomers - 88% da velha guarda parece acreditar que a equidade de gênero está bem encaminhada e chegará em meros 12 anos. As projeções por região também tendem a ser mais azuis: considerando todos os entrevistados da região Ásia-Pacífico, a equidade será alcançada em 2027, os da Europa dizem que em 2033 e os das Américas, Brasil incluído, apostam em 2031.

Eu particularmente boto mais fé em 2036 como marco zero, e olhe lá, mas qualquer horizonte de tempo é bem-vindo na hora de fazer acontecer. Muito se tem falado sobre diversidade, e há um esforço de conscientização e diálogo em torno disso, mas, revendo os últimos anos, a inclusão no meio empresarial dá passos de tartaruga. O Manpower Group, multinacional de soluções de recursos humanos responsável pela pesquisa, concorda comigo, já que na introdução da pesquisa se lê: "Estamos em uma conversa circular sobre não termos mulheres suficientes na liderança [das empresas]. Há muita conversa e pouca ação".

Então, para as coisas realmente estarem melhores em 2036, é preciso quebrar o círculo vicioso com ações bem práticas. E começar a fazer isso já. Os 222 líderes pesquisados pelo ManpowerGroup compartilharam algumas ideias de como isso acontecer.

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O QUE VAI FUNCIONAR

Há um dado bem ruim na pesquisa do Manpower Group. Os líderes da Europa perderam a confiança nas políticas e nos programas de inclusão, e especificamente, nas cotas - apenas 27% acham que melhores políticas de inclusão funcionariam efetivamente.

Como comparação, esse percentual sobe para 39% na área Ásia-Pacífico e para 35% nas Américas (também não é muito alto nesses outros lugares).

A explicação para o desânimo dos europeus é que seus países começaram a enfrentar o problema da desigualdade de gêneros nas empresas há mais tempo - a Noruega implementou cotas em 2008, por exemplo - e não estão colhendo os resultados que esperavam.

Fato: políticas e programas por si só não estão funcionando.

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Porém, há um dado bem bom para contrabalançar. As mulheres da geração Y estão passando uma mensagem clara aos empregadores: ou as coisas mudam, ou vamos levar nosso talento embora e abrir nossos próprios negócios. No Reino Unido, desde 2008, a participação das mulheres no trabalho autônomo e empreendedor aumentou até ser quase um terço do total, diz o estudo. E não é só no Reino Unido que isso acontece.

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Fato: ameaça funciona.

E tem um dado mais ou menos, que pode pender para um lado ou para outro. A parte mais: uma parcela significativa dos homens está reconhecendo que há uma cultura machista inconsciente e que ela é o principal obstáculo à chegada das mulheres a cargos de comando. Um dos entrevistados chegou a dizer que é preciso ter um plano que envolva homens e mulheres - uma pequena declaração para um executivo sênior, mas um grande passo para a humanidade. A parte menos: 32% dos líderes homens afirmam que a responsabilidade pela transformação não é deles, mas do departamento de recursos humanos, um percentual muito alto, que representa um problemão.

Fato: sem o envolvimento dos homens, a causa não vinga.

Então, o que é preciso fazer? Vou separar em itens as soluções que me saltaram aos olhos na pesquisa da Manpower Group:

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Ter clareza sobre os obstáculos imediatos a atacar: as líderes seniores do sexo feminino os descreveram como falta de modelos para as mulheres, a falta de acesso a patrocinadores e a uma rede influente, a concentração em carreiras como RH e comunicação e a expectativa de elas se comportarem como homens para chegarem ao topo. Também deve-se parar com o pensamento sonhador e o comportamento paciente em relação às iniciativas sobre diversidade de gênero nas empresas.

Determinar a responsabilidade pela mudança: a quem cabe a promoção de líderes mulheres - a cada mulher, a cada homem, à organização ou à sociedade? Eu desconfio que cabe aos quatro atores, mas o fato de a pesquisa mostrar que 53% dos presidentes de empresas acreditam caber à organização me dá alguma esperança. Sabemos: toda vez que todo mundo é responsável por algo, ninguém o é. Agora, três em cada dez jovens líderes mulheres da geração Y dizem que ninguém tem assumido a responsabilidade em suas empresas.

Definir o que vai funcionar - 1:. As jovens líderes do sexo feminino deram uma ótima resposta para isso a meu ver: funcionará ter líderes que as orientem, a organização lhes dando treinamento de habilidades, a flexibilidade para trabalhar (de lugar e tempo) e o foco nos resultados.

O Manpower Group acrescentou que, além de líderes orientadores (que ajudem as mulheres a sobreviver nas empresas), elas precisam de líderes patrocinadores (que as façam crescer). Concordo. Patrocinador é o tipo de coisa que muda cultura, porque reverte a insegurança própria das mulheres (em geral existe, não adianta negar), sinaliza que a empresa prioriza a causa (a ponto de permitir que o executivo patrocinador gaste tempo com isso) e faz com que pelo menos os homens patrocinadores entendam de perto os problemas e desenvolvam empatia.

Porém arrisco observar que a flexibilidade de trabalho precisa ser incentivada para os dois sexos, senão não vai funcionar, porque os homens têm de aumentar a participação nos assuntos da casa e dos filhos.

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Definir o que vai funcionar - 2: para 59% dos entrevistados, só programas isolados não vão funcionar, pois tendem a focar atividades e não resultados; é necessária sobretudo uma mudança cultural, rumo a uma cultura com neutralidade de gênero. O Manpower Group propõe um processo de sete passos para que essa cultura prevaleça:

1) os líderes devem modificar-se e acreditar de verdade nos benefícios de ter mais mulheres no comando (DE VERDADE);

2) eles não devem delegar a ninguém essa mudança (nem ao departamento de RH);

3) em toda oportunidade de contratação ou promoção, devem passar a perguntar-se por que não promover essa ou aquela mulher;

4) devem contratar apenas pessoas que gostem, acima de tudo, de otimizar o potencial humano, pois estas serão receptivas à integração entre trabalho e vida pessoal e também a medir desempenho com base em resultados, não em presença (essas são as pessoas que vão implantar flexibilidade de trabalho);

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5) devem promover, além dos programas, a cultura da inclusão consciente (dando o exemplo ao fazer trabalho flexível, entre outras coisas);

6) devem ser explícitos sobre aonde e quando querem chegar com a inclusão consciente, em todos os níveis hierárquicos e em cada unidade de negócios;

7) devem estabelecer metas alcançáveis e mensuráveis para a inclusão de mulheres, como se estivessem tratando de uma prioridade estratégica.

02.01.16 - Sao Paulo (SP) -Banco de imagens com a diretoria do ManpowerGroup -Marcia Almstrom - Diretora de RH e MKT ManpowerGroup Foto: Estadão

E O BRASIL?

Márcia Almström, diretora de RH e marketing do ManpowerGroup no Brasil, disse a este blog não ver uma desvantagem particular para o Brasil nesse processo de transformação. "Assim como todos os países latinos, o Brasil tem uma cultura machista, com os papéis bastante delimitados entre os gêneros, sim, mas a presença da mulher no mundo corporativo é uma realidade que se mostra cada dia mais presente aqui e é uma força propulsora para a mudança", comentou. Márcia acredita que podemos alcançar a equidade de gênero até 2031, o mesmo tempo estimado para as Américas. (E, se tudo der errado, ainda teremos cinco anos de lambuja até 2036.)

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Além de a presença feminina atual já ser uma força de mudança, Márcia destacou os empurrões extras dados por subsidiárias de multinacionais e pelas gerações mais novas. Sobre as primeiras, observou: "A influência de políticas e práticas de inclusão de empresas multinacionais com subsidiárias no Brasil certamente favorece a aceleração dessa conquista, considerando que o tema da igualdade de gêneros já se encontra em outro patamar de discussão nesses países." Sobre as segundas, afirmou que é preciso construir "um ambiente mais adequado às necessidades não somente das mulheres, mas também das novas gerações, que trazem consigo expectativas diferentes daquelas das gerações anteriores".

E o trabalho flexível? Bem, sabemos que ele vem sendo implantado por mais e mais organizações brasileiras, mas não sem atritos. Quem vai trabalhar parcialmente em casa teme perder visibilidade e oportunidades de carreira; muitos chefes acham o relacionamento a distância com os subordinados pouco produtivo, e privilegiam os presentes. Eu coleciono casos de profissionais que preferem não dar entrevista sobre trabalhar em casa com medo de chamar a atenção dos chefes - negativamente.

Sobre isso, Márcia é assertiva: "O trabalho flexível, remoto, faz mais sentido para as organizações nos dias atuais,, por causa da gestão dos custos versus receita, e é facilitado pelas tecnologias disponíveis". Segundo ela, se as empresas quiserem garantir a continuidade e velocidade dos negócios, acabarão fazendo mudanças no estilo de gestão para que tais práticas sejam incorporadas".

Como diz a executiva do Manpower Group, a transformação em prol de uma cultura de neutralidade em relação a gênero é um processo contínuo e gradativo. Sim, também acho que é, mas lembro que um pouco de impaciência é preciso, porque o ano de 2036 está aí na esquina. Se quisermos que a profecia seja autorrealizável, é bom a consciência e as ações correspondentes acontecerem mais rápido nas empresas.

PS: Na coluna passada, sobre as amélias corporativas, a especialista em gestão Betania Tanure comentou que não consegue enxergar um futuro em que as mulheres dividam os cargos de liderança meio a meio com os homens. Só para não haver mal-entendidos, o futuro de 2036 tratado neste texto também não promete o meio a meio: a expectativa é de equidade de gênero, ou seja, de homens e mulheres tendo as mesmas oportunidades de ocupar cargos de liderança e recebendo a mesma remuneração por isso.

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