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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|Esperneio

Em vez de se empenhar em buscar uma saída, no momento, o governo argentino se limita a demonizar sucessivamente quem não concordar com ele

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Atualização:

Os observadores internacionais dedicam-se agora a advertir que o novo calote da Argentina colocou em evidência a falta de segurança nos casos de renegociação de dívidas soberanas e que é preciso resolver isso.

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Antes de avançar, é bom ter em conta que o calote argentino não aumentou a insegurança. Apenas demonstrou que a falta de regras claras e firmes a serem colocadas em prática em casos de defaults (calotes) de Estados soberanos põe a nu as incertezas e os custos mais altos nessas dívidas. (Veja no Entenda, por que o problema existe.)

Nesta segunda-feira, o Instituto Internacional de Finanças, que reúne os interesses comuns aos maiores bancos do mundo, preferiu avaliar que o pouco cuidado com que a Argentina vem lidando com o problema é caso único no mundo. Ele multiplicará as consequências negativas para a economia argentina, mas não tende a se repetir nem a criar problemas insustentáveis para o sistema financeiro global. Aparentemente, a Argentina teria preferido que uma crise grave acontecesse para que seu caso fosse incluído na solução de uma crise internacional.

 Foto: Estadão

Capitanich. "Mediador é parcial" (FOTO:MARÍA CANDELARIA LAGOS/TÉLAM)

Enfim, a dinâmica das finanças globais tende a encarar a insegurança de fundo como defeito de nascença com que se tem de conviver para o resto dos dias ou até quando houver disposição internacional de encontrar saída para isso.

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Também parece descabido insistir na tese de que não houve calote, só porque, afinal, o governo argentino depositou os recursos devidos em conta bancária. O que vale é que, para os efeitos de pagamento de seguro, a Associação Internacional de Swaps e Derivativos (Isda, na sigla em inglês) já reconheceu, a pedido da União de Bancos Suíços, que o default ficou tecnicamente caracterizado.

É que não basta que pagamentos sejam feitos. Para que não se configure calote, os credores também têm de ter acesso a eles. E, no caso, eles não tiveram acesso porque a Argentina descumpriu sentença pronunciada por juiz de um foro escolhido pela própria Argentina. Está lá no contrato da dívida que, em caso de conflito, o foro determinado para dirimi-lo seria o de Nova York.

Também não cabe a alegação de que o juiz Thomas Griesa exorbitou de suas atribuições. Desde o início pressupunha-se que ele podia tomar decisões favoráveis ou não à Argentina e quaisquer que fossem, deveriam ser cumpridas. Outra questão é o que fazer se, também soberanamente, a Argentina decidir não cumprir a sentença judicial.

Independentemente disso, não ajuda em nada o ministro Guido Mantega assumir as dores e todo o melodrama argentino, como se essas coisas sem solução política tivessem de se resolver politicamente.

Em vez de se empenhar em buscar uma saída, no momento, o governo argentino se limita a demonizar sucessivamente quem não concordar com ele. Demonizou primeiramente os credores que recorreram à Justiça, os quais chama de fundos abutres. Em seguida, demonizou o juiz Griesa, a quem acusa de não entender de direitos soberanos. E, agora, demoniza o mediador Daniel Pollack, a quem ontem o chefe de Gabinete da presidente Kirchner, Jorge Capitanich (foto), chamou de "parcial".

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Pode servir como esperneio, mas não como estratégia que aponte para uma saída.

ENTENDA

Calote soberanoEm todos os países, a lei define o que fazer caso uma empresa, ou até mesmo uma pessoa física, fique impossibilitada de saldar seus compromissos, independentemente dos erros administrativos que tenha cometido.

Concordata Essa lei define quando essa empresa (ou pessoa física) pode recorrer à proteção judicial (concordata) para recomposição e liquidação do seu passivo. Define, também, qual a prioridade para ressarcimento dos credores com base no levantamento das massas falidas e em que proporção.

Veto A última proposta para normalizar processos de reestruturação de Estados soberanos foi elaborada em 2002 pela então número dois do Fundo Monetário Internacional (FMI), Anne Krugman, e engavetada por força do veto dos Estados Unidos. E assim permanecerá sabe-se lá até quando.

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Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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