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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|Bactéria mais resistente

O Banco Central teve de ir mais longe do que pretendia no aperto dos juros. Essa mudança de planos também diz mais do que poderia parecer.

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Atualização:

Ficou claro que a dose anterior do remédio não foi suficiente. A infecção é mais séria do que apontavam os diagnósticos oficiais. Ou seja, está sendo questionada a capacidade do Banco Central de prever a trajetória da alta dos preços. Ele mais vem sendo conduzido pela inflação do que a vem conduzindo.

 Foto: Estadão

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Desde novembro, os comunicados vinham passando o recado de que o ciclo de alta dos juros estava no fim. Esse fim ficou mais uma vez adiado até que esteja mais clara a convergência da inflação, não propriamente para a meta, mas para um ponto qualquer mais próximo dela, que é de 4,5% ao ano.

Fica questionado, também, o procedimento adotado. O Banco Central foi levado a reforçar a alta de juros não só porque a política fiscal não ajuda - ou porque a austeridade na condução das contas públicas é insuficiente para reduzir a demanda por bens e serviços que corre acima da capacidade de oferta da economia. Também vai ficando inevitável admitir que a política monetária (política de juros) perdeu certo grau de eficácia. Enfrenta uma bactéria geneticamente modificada bem mais resistente aos antibióticos convencionais.

Esse parece, em parte, o resultado das decisões do próprio governo, que vem represando artificialmente suas tarifas. Quanto mais interfere nos preços sobre os quais a política de juros não atua - ou sobre 25% da cesta de consumo -, mais, também, o Banco Central tem de puxar pelos juros, de maneira a agir sobre o segmento que cobre os 75% restantes.

Em outras palavras, a reindexação, ou seja, a prática de reajustes automáticos de preços, de que o Banco Central vem reclamando, também fica tanto mais acirrada quanto mais o governo atrasa seus reajustes: os agentes econômicos (os fazedores de preços livres) tendem a remarcar mercadorias e serviços não mais de acordo com a inflação, mas de acordo com a evolução dos preços livres.

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Como vem sendo observado por esta Coluna em edições anteriores, em 2013, por exemplo, os preços administrados diretamente pelo governo avançaram apenas 1,52%, enquanto os preços livres subiram 7,27%.

Tudo indica que o Banco Central não tem clareza sobre os próximos passos. Segue determinado a desacelerar a alta dos juros, mas, diante do que aconteceu em dezembro, não sabe o quanto sua política será exigida nos próximos meses. A introdução da expressão "neste momento", usada pela primeira vez em seu comunicado para justificar a alta dos juros decidida quarta-feira, sugere que continuará monitorando os momentos seguintes e, a partir daí, agirá.

Em parte, depende do resto do governo, especialmente da qualidade da política fiscal dos próximos meses. Mas depende, principalmente, do comportamento futuro da própria inflação. As expectativas do mercado, colhidas pelo próprio Banco Central por meio da Pesquisa Focus, são de que, apesar do aperto monetário, a inflação continuará correndo acima dos 6,0% ao ano.

CONFIRA:

 Foto: Estadão

Este foi o desempenho do volume de vendas do varejo restrito de outubro de 2012 a novembro de 2013.

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Pressão de demanda. Embora sejam de novembro, os números sobre o comportamento do mercado varejista, ontem divulgados, mostram que o consumo continua crescendo muito acima da atividade econômica. O ritmo do comércio varejista em 12 meses é de 4,4% (no conceito restrito, que exclui materiais de construção e veículos), enquanto o PIB avança um pouco acima dos 2,0%. E isso, evidentemente, é potencialmente inflacionário.

Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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