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Além da economia

Cuidado com o termômetro

Bons médicos costumam recomendar que os pacientes escapem da tentação de recorrer ao temômetro  com muita frequência. A ansiedade costuma produzir avaliações distorcidas, seja quando a temperatura sobe seja quando ela cai. Nem a alta significa obrigatoriamente que a doença tenha se agravado nem a baixa quer dizer que o paciente está curado. Tudo isso, é claro, dentro de uma escala razoável de variações.

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Por Cida Damasco
Atualização:

Na economia brasileira, parece que estamos exatamente nesse ponto. Há um frisson generalizado para se apontar tendências irreversíveis no rumo dos negócios, com base no vaivém dos indicadores. Ora é a indústria que avança - e decreta-se a consolidação da retomada. Ora é o comércio que dá uma parada - e, da mesma maneira,  decreta-se o fim desse processo.

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O crescimento do PIB no primeiro e no segundo trimestres, e o comportamento de alguns indicadores em julho provocaram um excesso de otimismo em alguns analistas - que saíram imediatamente a campo para comemorar a entrada do País num novo ciclo de crescimento substantivo. A divulgação de alguns números referentes a agosto, contudo, começa a despertar dúvidas sobre a continuidade dessa trajetória.

São pelo menos três indicadores. O setor de serviços, por exemplo, caiu 1% de julho para agosto, o pior resultado para o mês na série histórica acompanhada pelo IBGE desde 2012. O volume de vendas do varejo teve um recuo de 0,5%, na mesma comparação, considerando-se os dados com ajuste sazonal. E a produção industrial mostrou uma redução de 0,8% -- com um peso significativo da indústria paulista, onde a baixa foi bem mais acentuada, de 1,4%.

Tudo leva a crer, contudo, que não há uma mudança radical no quadro. Apenas a confirmação de que o paciente saiu da UTI - ou melhor, da recessão.  Mas também que ele ainda precisa de acompanhamento médico por um bom tempo, para continuar em recuperação e voltar à vida normal. E não está livre de recaídas.

Persistem ameaças no cenário político e econômico daqui para a frente. O crescimento está sustentado pelo consumo e, para que o circuito se feche, precisa chegar aos investimentos. Mas, como o setor público vai tocar investimentos nesse momento, em que a vulnerabilidade de suas contas faz o governo cortar onde dá para cumprir as metas de déficit primário recombinadas dois meses atrás e o teto de gastos? A bem da verdade, o governo tem cortado até onde não dá, a ponto de se temer o estrangulamento de algumas áreas da administração pública.

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Quanto aos investimentos do setor privado, dependem da recomposição da situação financeira das empresas, além da chamada confiança. É crucial, nesse caso, dissolver incertezas tanto sobre o que o governo ainda fará para chegar ao final do mandato quanto para o que virá no pós-Temer. Incertezas, decididamente, não combinam com investimento. Enfim, o paciente melhorou, mas a alta ainda demora. Qualquer diagnóstico mais radical, para um lado ou para outro, por enquanto não passa de torcida.

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