Apagão do PIB

Foram dezenas de pacotes, juros na mínima histórica, "desconto" na conta de luz, desonerações para setores escolhidos, centenas de bilhões de reais para o BNDES. Agora, o IBGE vê a economia nacional em terreno negativo. Será mesmo que uma coisa não tem nada a ver com as outras?

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Por Iuri Dantas
Atualização:

Segundo o IBGE, não há dúvidas sobre o ritmo em que anda a economia brasileira. Estagnação, a essa altura, pode até mesmo parecer elogio. O PIB engatou uma contração após o desempenho aquém do esperado durante todo o mandato da atual presidente. O conjunto de riquezas do País recuou 0,6% no segundo trimestre e, nos cálculos do instituto, encolheu 0,2% nos três primeiros meses do ano. Muito se vai discutir, e todos adotarão imensa cautela em repetir a expressão do livro-texto de economia sobre a recessão, caracterizada por dois trimestres consecutivos de retração na atividade econômica. À parte o debate contaminado pelas paixões eleitorais do momento, o PIB está menor, o País ficou mais pobre.

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A retração na atividade econômica ressurgiu como ameaça há praticamente seis anos, quando o banco norte-americano de investimentos Lehman Brothers entrou com pedido de falência na Justiça americana. Logo no primeiro momento, a queda do gigante financeiro derrubou o PIB brasileiro no último trimestre de 2008 e ainda segurou o produto nacional no primeiro trimestre de 2009. O governo jogou pesado, para aumentar a venda de imóveis e auxiliar os bancos a manter o pescoço fora d'água. No ano seguinte, o Brasil cresceu no maior ritmo em um quarto de século (7,5%).

Um ano de crescimento chinês, com fator inédito na política nacional. Em tempos de paz, com sufrágio universal, pela primeira vez um presidente era reeleito e fazia seu sucessor. O grupo político que auxiliou o País a navegar a primeira crise externa sem descompassos no nosso balanço de pagamentos foi premiado com um total de 12 anos de mandato, uma longevidade que nenhum outro pode ostentar desde que Cabral, o marinheiro, aportou por aqui.

A forte expansão econômica de 2010, e a consequente pressão inflacionária vinda da maior demanda por bens e serviços, não foram suficientes para a equipe econômica pisar no freio. Em agosto de 2011, Dilma acendia uma fornalha de pacotes que não parou ainda de resfolegar e produzir medidas com forte resistência de economistas, empresários, investidores. Antecipando-se a ventos desinflacionários que seriam trazidos pela crise internacional, o Banco Central entrou na mesma toada e começou a tosar a Selic.

No ano seguinte, mais e mais pacotes, sempre recebidos com reticência e desconfiança por quem entende de economia. Um aspecto que sempre permeou as promessas de dias melhores: o princípio basilar de que novos gastos ou cortes de impostos deveriam ser acompanhados de aumento de receita ou cortes de gastos nunca foi tão pouco observada. O governo chegou a se empenhar diretamente na revogação de trechos da Lei de Responsabilidade Fiscal. Ainda em 2012, Dilma foi à TV anunciar um polpudo corte na conta de luz, que de tão planejado, debatido e submetido ao crivo de diversas pessoas, criou dificuldades financeiras para as empresas envolvidas.

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Esse parágrafo serve para explicar a outra cacetada da semana passada. O Tesouro Nacional registrou um déficit das contas antes mesmo de pagar os juros da dívida pública, aqueles que rondam 5% do PIB. Foi o pior superávit primário da breve história de estabilidade econômica do País. Reclama-se, no governo, que a arrecadação de impostos veio abaixo do que se esperava. Fica a impressão de que o Fisco deve sempre entregar mais, no entanto a LRF visava evitar problemas como esse, de gastos acima da arrecadação. Fato: as despesas do Tesouro Nacional cresceram 12,2% nos primeiros sete meses do ano. As receitas, foram 5,4% maiores que em 2013.

Questionado sobre isso, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, saiu-se com essa em dezembro do ano passado: "Faz sentido buscar uma situação fiscal sólida, o que fazemos a todo tempo. Agora que estamos terminando, desmontando o período da política anticíclica, é natural que a política fiscal volte a um patamar mais elevado."

"Faz sentido" mesmo o governo deixar de gastar e lançar pacotes. Pena que não o fez. Também seria "natural" produzir resultados melhores. E é realmente uma pena que isso não tenha acontecido. A entrevista, concedida ao Estadão, revela como é curta a memória em Brasília. Praticamente tudo o que se disse ali, como tratar as contas públicas com a transparência que a crise de credibilidade pedia, deixou de ser feito.

Os números do IBGE exigem uma reflexão há muito adiada pelos tomadores de decisão em Brasília. O Plano Brasil Maior, política industrial de Dilma alardeada como a solução para a desindustrialização dos últimos anos, não foi capaz de impedir uma queda de 1,4% na produção manufatureira. Os investimentos, que o governo sempre prometeu alavancar injetando centenas de bilhões de reais no BNDES, levaram um tombo de 6,8%.

O governo continua gastando, se embaralhando com as poucas e setoriais desonerações de impostos que fez até aqui. Uma confusão sem tamanho. Como resultado, sobe a dívida. Segundo a Empresa de Pesquisa Energética, o mês de julho, no segundo semestre portanto, começou com uma queda de 6,9% no consumo de energia pela indústria.

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O PIB sofreu um apagão, o Brasil está menos rico e não há terra à vista: a depender do governo federal a economia continuará boiando rumo a um destino conhecido e há algum tempo esquecido, de agir por séculos adiando o presente para se tornar o País do futuro.

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