Endividaço

Céus conturbados para a contabilidade das estatais federais de energia.

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Por Iuri Dantas
Atualização:

O setor energético brasileiro equilibra-se de forma bastante peculiar nos últimos quatro anos. Assemelha-se, na tática, à forma como o Tesouro Nacional conduz a administração das contas públicas. Há uma indicação forte de que a contabilidade pública, não apenas da gestão dos impostos, mas também das estatais que dominam a produção de eletricidade e petróleo, busca evitar um tarifaço. Apenas para cair em um endividaço.

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O modus operandi é conhecido, defendido com unhas e dentes pela presidente Dilma Rousseff e toda sua equipe econômica, e criticado à exaustão por analistas, especialistas, economistas de todos os matizes ideologicos e partidários no Brasil e no exterior. Alguns jornais, como o Estadão, também preferem jogar luz diária no assunto. A partir deste diagnóstico, a primeira economista a comandar o País, ex-ministra de Minas e Energia e ex-presidente do Conselho de Administração da Petrobrás teria criado armadilhas perigosas para o Tesouro, Petrobrás e Eletrobrás para os próximos anos.

A opção brasileira ao enfrentar a crise financeira, diferentemente de alguns países, foi investir no corte seletivo de impostos. Diminuiu-se o IPI somente para alguns produtos industriais, numa pantomima esquisita de que um país pode avançar no setor de manufatura mantendo a cobrança um imposto apenas sobre bens industrializados - os cortes foram feitos por decreto e estão sujeitos ao humor do ocupante do Palácio do Planalto.

Outros países preferiram injetar dinheiro na economia via gasto direto do setor público na construção de estradas, usinas, ferrovias etc. Por aqui, a queda no volume de impostos arrecadados pelo Fisco não permite isso. Foi um tremendo corte de receita, mas o aperto do cinto não foi acompanhado por uma dieta mínima nos gastos, que continuam crescendo acima da arrecadação. Desde o início de seu mandato, Dilma viu a dívida federal crescer 42% e ultrapassar R$ 2 trilhões. O mercado percebeu e cobra mais.

A situação da Petrobrás e da Eletrobrás lembra a de um padeiro que sempre levou a vida tranquilamente, mas viu surgirem três novos condomínios em seu quarteirão. Diante do monopólio do pãozinho, o empresário teria preferido dar descontos para atrair clientes, aumentar o salário dos funcionários, que teriam uma rotina mais puxada, dobrar o tamanho da padaria e nem se preocupar com o desperdício de água ou o forno antigo, que continua aceso por toda a madrugada. Seus custos, neste caso, só fizeram crescer, mas o dinheiro que ele precisa para manter o negócio rodando vem caindo.

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A consequência, na padaria fictícia e nas empresas reais, é a mesma. O sujeito corre ao banco, sem muita margem de manobra para negociar termos vantajosos, e contrai um empréstimo para manter o nariz fora d'água. Até onde a pesquisa permitiu, não se identificou ainda nenhum plano estatal para a Petrobrás e a Eletrobrás comercializarem croissants ou brioches. Na situação atual, elas colocam no mercado gasolina e energia, mas os preços são tabelados pelo governo.

A estatal do petróleo teve uma queda de 25% do lucro na primeira metade do ano, devido ao represamento de tarifas. Quando se compara o resultado com a dívida, a empresa atinge um índice de 40%, o mais alto de sua história. Em outras palavras, a capacidade da empresa de usar o lucro para custear seus empréstimos e financiamentos é a pior desde que Getúlio Vargas assinou sua criação em outubro de 1953.

O sistema Eletrobras, em conjunto com o setor elétrico, começou sua toada na mesma linha do Tesouro e da Petrobras no ano de 2012. No 7 de Setembro daquele ano, Dilma anunciou um presente aos brasileiros que consomem energia: a conta iria cair sem mágica, sem malabarismos, apenas levando em conta o que os próprios consumidores já haviam pago às empresas nos últimos anos. Como em praticamente todos os outros casos, os detalhes foram ao diabo e a implementação do plano deixou a desejar. Agora, vendendo energia mais barata, as empresas são obrigadas a pegar empréstimos bilionários com bancos comerciais e públicos para honrar suas obrigações e não dar calote na praça. Depois da semana passada, as empresas devem R$ 25 bilhões para o sistema financeiro, mas quem vai pagar é o sujeito que aperta o interruptor depois de abrir a porta de casa. Não precisa ser da oposição para esperar que as estatais continuarão vendendo dívida no exterior.

Em 1986, o então presidente José Sarney foi alertado das rachaduras que o tabelamento de preços do Plano Cruzado vinha causando à estrutura econômica nacional. As críticas vinham de todo o espectro político, de economistas variados, que anteviam dificuldades à frente. Embalado pela aprovação popular dos preços determinados pela Sunab, o presidente esperou até as eleições. Em parceria com o então PFL, hoje DEM, fez todos os governadores de Estado. Venceu todos os pleitos estaduais. A traição às urnas, que apoiaram um plano em estágio avançado de degradação, não demorou uma semana.

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