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Economia e políticas públicas

Opinião|A difícil tarefa de mexer na meta fiscal

Numa sinuca entre números desfavoráreis, um Congresso irresponsável e um TCU rigoroso, equipe econômica tem que acertar a dimensão e o 'timing' da provável revisão da meta fiscal.

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Atualização:

O assessor de um senador relata que ficou estarrecido com a atuação do Ministério da Fazenda nas articulações em torno da votação na terça-feira (30/6/15) do aumento do Judiciário no Senado - com 62 votos a favor e nenhum contra, foi aprovado um reajuste médio de 56%, que pode levar a gastos adicionais de R$ 25,7 bilhões em quatro anos, segundo contas do Planejamento. "O que se dizia na Fazenda era que o Renan (Calheiros, presidente do Senado) tinha se comprometido a tirar o assunto de pauta - isso mostra como está sendo mal gerido o dia a dia entre o governo e o Congresso", diz a fonte.

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O episódio ilustra também como o Congresso Nacional saiu de controle, e embarcou numa onda de irresponsabilidade fiscal perigosíssima dada a situação delicada das contas públicas do País. Nesse contexto, a revisão da meta fiscal para 2015 ganha os contornos de uma missão delicada e decisiva para a equipe econômica, mas que enfrentará um conjunto de condições adversas.

A revisão da meta de superávit primário do setor público consolidado de 2015, diante da dificuldade praticamente insuperável de se chegar aos 1,2% do PIB estipulados no final do ano passado, tem vários aspectos, todos espinhosos: é preciso determinar para quanto a meta será reduzida; se a meta de 2016 também será diminuída; e quando será feito o anúncio.

A questão do timing do anúncio foi discutida durante a reunião do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, com economistas de bancos, consultorias e associações de classe, na quinta-feira passada. Um dos presentes defendeu a ideia de que a revisão deveria ser feita logo, para melhorar a transparência na relação da Fazenda com o mercado.

Essa tese foi rebatida por outro participante do encontro. Para este segundo economista, a meta de superávit primário representa hoje muito mais um instrumento de negociação entre o governo e o Congresso do que um instrumento de comunicação com o mercado - que sabe fazer conta e já entendeu perfeitamente a impraticabilidade da atual meta. Esta segunda visão pareceu ter mais aceitação entre o grupo de interlocutores de Levy do que a tese da revisão imediata.

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"Esse é um assunto entre o Planalto e o Congresso, e não entre a equipe econômica e a Faria Lima (referência à avenida em São Paulo com forte presença de instituições financeiras)", diz outro economista que esteve no encontro, e que apoiou a ideia da meta como arma de negociação política.

Por essa visão, a redução da meta vai estimular ainda mais a farra de irresponsabilidade fiscal do Congresso Nacional. A melhor estratégia, do ponto de vista político, seria a de adiar o quanto for possível o anúncio. Infelizmente, porém, o imbróglio da contestação das contas de 2014 do governo federal pelo Tribunal das Contas da União (TCU) torna muito arriscado que a equipe econômica não reveja a meta de 2015 no Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias (documento bimestral) a ser divulgado em julho, relativo a maio e junho. É o primeiro relatório bimestral depois da aprovação pelo Congresso Nacional e sanção pela presidente Dilma Rousseff da Lei Orçamentária Anual de 2015.

Se a revisão da meta for feita na divulgação do relatório bimestral de julho, como já circulam informações em Brasília de que ocorrerá, a mudança legal poderia ser feita na votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2016, prevista para agosto.

Em termos políticos, o ideal possivelmente seria rever a meta mais adiante, mas um dos pontos mais importantes do relatório das contas do governo de 2014 do procurador do TCU Júlio Marcelo de Oliveira é que o governo postergou, possivelmente com interesses eleitorais, o reconhecimento da frustração da meta de 2014 até o relatório de avaliação do 5º bimestre (setembro e outubro), divulgado em novembro.

O cavalo-de-pau na "avaliação" das despesas e receitas em novembro foi de fato surpreendente. De uma hora para outra, o governo dizia que, entre frustração de receitas e aumentos "surpreendentes" de despesas, havia um rombo de R$ 60,6 bilhões, o que o levava a pedir ao Congresso Nacional que reduzisse a meta de superávit primário de 2014 de R$ 80,7 bilhões para R$ 10,1 bilhões. Depois de muita polêmica, o Congresso consentiu em dezembro, mas nem a nova meta foi atingida - houve déficit primário de R$ 17,2 bilhões.

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Para o procurador Oliveira, a meta que vigorou até dezembro foi a de R$ 80,7 bilhões, e o governo nada fez para cumpri-la e em diversos relatórios bimestrais ocultou que não seria atingida.

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Evidentemente, com a ameaça de impeachment ainda pairando sobre a sua cabeça (que deve ser reimpulsionada pelos "ótimos e bons" abaixo de 10% obtidos por seu governo na pesquisa do Ibope divulgada hoje), Dilma não deverá reincidir em atos condenados pelo TCU.

Assim, a análise fria dos números indica que, à exceção de alguma enorme surpresa que torne possível atingir a meta este ano, será muito difícil não admitir no relatório de julho que o superávit primário de 1,2% do PIB não será cumprido.

Pelas projeções oficiais que ainda vigoram, a receita líquida do governo central deveria crescer 5,6% em termos reais em 2015, mas na verdade houve queda real de 3% até maio. Projeções do governo indicavam que, com revisão de desonerações e outras medidas para aumentar a arrecadação, haveria um ganho de R$ 26 bilhões este ano de receita de IPI, IOF e PIS/Cofins. Porém, com exceção de um pequeno ganho do IOF, há queda real de janeiro a maio da receita desses tributos. A economia em subsídios ao setor elétrico que deixaram de ser pagos em 2015 (na comparação com 2014) está sendo comida pelos pagamentos atrasados de subsídios de programas como o PSI. O aumento de gastos com custeio em sentido amplo (incluindo Previdência) superam ligeiramente a queda com pessoal e investimentos, concentrada neste último item.

Com efeito, a queda real dos investimentos, de R$ 14,26 bilhões de janeiro a maio, é brutal. Projetada para o ano, ela significaria um corte de R$ 30 bilhões, que faria os investimentos federais recuarem quase pela metade como proporção do PIB: de 1,4% em 2014 para 0,8% em 2015, mesmo nível de 2007.

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Em resumo, o governo está numa sinuca fiscal, espremido entre números crescentemente desfavoráveis, um Congresso cada vez mais irresponsável e um TCU rigoroso e vigilante. É nessas condições extremamente adversas que a equipe econômica provavelmente terá de decidir o timing e a dimensão do reajuste da meta fiscal, caso nenhum inesperado coelho saia da cartola. (fernando.dantas@estadao.com)

Fernando Dantas é jornalista da Broadcast

Esta coluna foi publicada pela AE-News/Broadcast em 1º/7/15, quarta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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