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Economia e políticas públicas

Opinião|Agora dá pra ler

Ata do Copom da reunião de julho, divulgada ontem, inaugura novo estilo de comunicação, mais enxuto e direto, além de sinalizar um BC mais independente.

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Atualização:

A ata da ducentésima reunião do Copom (conveio bem que se trate de um número redondo) é um marco na comunicação do Banco Central, mas também traz novidades em relação ao conteúdo. A principal delas é que o BC do novo presidente, Ilan Goldfajn, deu mostras explícitas de independência ao tratar das dúvidas sobre a política fiscal de forma transparente e direta. Isto deve ser visto em contraste com a linha adotada desde pelo menos o início do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, em que a autoridade monetária parecia partir da pressuposição de que as promessas fiscais do governo seriam cumpridas, com eventuais manifestações de dúvida ou tímida cobrança.

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Em termos de forma, a nova ata é um texto direto e mais enxuto. O documento foi despido do excesso de informações menos relevantes do padrão antigo, em que os iniciados sabiam ir direto aos trechos que importavam, mas no qual o leitor interessado, porém não habitual, tinha que reunir muita paciência para navegar. Agora, qualquer cidadão que acompanhe a política monetária, entenda seu funcionamento e princípios básicos e siga os indicadores da economia brasileira pode ler de forma fácil, rápida e proveitosa a ata, mesmo que não esteja envolvido profissionalmente com o assunto.

Em algumas notas de pé de página da nova ata, como as que explicam o significado preciso de expressões como "projeções condicionais" ou "horizontes relevantes", é possível que tenha havido o dedo do novo diretor de Política Econômica do BC, Carlos Viana, que já trabalhou academicamente com a questão de comunicação de BCs e precisão de linguagem.

Segundo um conhecido gestor, a arquitetura da nova ata põe em relevo os fatores que podem influenciar as próximas decisões de política monetária, atraindo a atenção dos analistas e do mercado para eles. Assim, a ata parte do cenário básico, incluindo projeções, continua com o balanço de riscos e finalmente aborda questões de implementação de política monetária. A contraposição inicial entre cenário básico e balanço de riscos conduz o leitor a prestar atenção na condicionalidade das projeções e nos fatores que podem fazer com que o Copom evolua em sua interpretação dos fatos e na predisposição a novos passos de política monetária.

Em relatório hoje sobre a ata, o consultor Alexandre Schwartsman, ex-membro do Copom, lista três riscos negativos e dois positivos em relação às perspectivas da inflação segundo o BC: respectivamente, a pressão inflacionária dos alimentos, a inércia e as incertezas fiscais; e a possibilidade de um ajuste fiscal mais rápido e a maciça capacidade ociosa e seus efeitos desinflacionários.

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O gestor mencionado anteriormente considera que, focando nesse balanço de riscos, as chances de redução da Selic em agosto caíram para um nível muito baixo, pois ainda não haverá clareza sobre a maioria deles. Já na reunião do Copom de outubro, a situação muda. Há tempo suficiente para que o impacto concreto de vários daqueles riscos fique mais claro. Se o balanço evoluir favoravelmente, o BC pode cortar os juros, mas não há garantia de que isto ocorra.

Na parte fiscal, a ata fala explicitamente da possibilidade de que haja percepção de que "os ajustes seriam abandonados, ou postergados indefinidamente". Mais ainda, o documento explicita que não houve consenso no Copom sobre a velocidade do ajuste fiscal, indicando que esta é uma área que tanto pode ser um "risco" como uma "oportunidade". O comitê também se manifestou sobre a possibilidade de medidas de ajuste fiscal "com impactos diretos sobre a inflação", como seria o caso de um aumento da Cide.

"Esses comentários são um sinal de que o BC não está com medo de dizer o que pensa, o que é algo que pode acontecer quando se trata de coisas relativas a outras áreas do governo", apontou o gestor. (fernando.dantas@estadao.com)

Fernando Dantas é jornalista do Broadcast

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 26/7/16, terça-feira.

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Opinião por Fernando Dantas
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