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Economia e políticas públicas

Opinião|Brasil acusa o golpe

Relatório do Itaú reduz projeção de crescimento em 2018 de 3% para 2%. Com cenário externo pior, cristaliza-se trajetória aflitivamente lenta de recuperação da economia brasileira.

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Atualização:

O relatório de revisão de projeções do Itaú divulgado hoje (11/5, sexta-feira) dá uma dimensão da mudança para pior do cenário econômico brasileiro desde o início do ano.

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O que mais chama a atenção é o corte de um ponto porcentual, de 3% para 2%, da previsão de crescimento em 2018.

Tomando-se a trajetória anterior de crescimento projetada pelo Itaú entre 2017 e 2019, o que se tinha era o retrato de uma retomada nada retumbante, mas que ainda assim parecia trazer a possibilidade de um ciclo de crescimento sustentável: 1% já acontecido em 2017, seguido de 3% em 2018 e 3,7% em 2019.

Este último nível já estaria próximo aos 4% que parecem ser o "sonho de consumo" em termos de ritmo de expansão da economia brasileira, depois de décadas se arrastando numa média ligeiramente superior a 2%, que zerou a convergência, ainda que lenta, ao padrão de vida dos países desenvolvidos.

Agora, porém, o que se tem é uma recuperação cambaleante, que augura renovados problemas fiscais (via lenta retomada da arrecadação) e problemas políticos - este segundo desdobramento é uma hipótese levantada pelo colunista, não pelo relatório do Itaú.

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Segundo as novas projeções do Itaú, depois de 1% em 2017%, o PIB cresce 2% este ano e 2,8% em 2019 - um ritmo aflitivamente lento para uma economia que passou por uma recessão brutal como a de 2014-2016, que no seu pior momento chegou registrar uma queda de 7% do PIB ante o pico anterior.

O Itaú aumentou a sua projeção de inflação de 3,5% para 3,7% este ano, embora tenha mantido a de 4% em 2019. Na área fiscal, é o inverso. O déficit primário de 2018 se mantém em 1,9% do PIB, mas o de 2019 sobe de 0,9% para 1,2%.

A projeção de câmbio do banco agora é de R$ 3,50 ao final de 2018 e 2019, o que parece supor que já há um overshooting agora, com o dólar cotado a quase R$ 3,6 hoje. Mais do que isso, é uma projeção cambial de um cenário aparentemente ordeiro, o que faz supor que a eventualidade de turbulências mais fortes à frente poderia levar a cenários de crescimento e fiscais ainda piores.

O fato é que, mesmo sem atingir a gravidade da situação argentina, a piora externa deu um tranco na economia brasileira num momento particularmente infeliz. Obviamente a decepção com o ritmo da retomada desde o início do ano não se deve apenas a fatores internacionais, e pode ter a ver simplesmente com excesso de otimismo. Mas o cenário externo mais difícil agora está de certa forma cristalizando o ritmo insatisfatório da recuperação.

Após o desastre econômico que se tornou mais palpável em 2015, o País ingressou numa difícil e turbulenta transição econômica e política.

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No primeiro caso, os desvarios da nova matriz econômica foram substituídos por uma política de "botar a casa em ordem em tempos de vacas magras", o que sempre é difícil em termos políticos e de suporte popular.

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Paralelamente, a devastação dos principais partidos pela Lava-Jato, o impeachment de Dilma e até a prisão de Lula criaram uma terra de ninguém política, da qual supostamente o País poderá sair quando eleger este ano um novo presidente.

O biênio 2018-2019, portanto, vai presenciar uma troca de bastão no comando do País extremamente delicada e decisiva para o período histórico à frente. O ideal é que fosse eleito alguém com capacidade de construir pontes e restaurar algum equilíbrio político (que resista à Lava-Jato), ao mesmo tempo em que prossegue na reconstrução econômica.

A piora do cenário econômico torna mais difícil tanto uma coisa como outra, à medida que a conta do ajuste se torna mais salgada e as sereias populistas mais tentadoras. E isso sem contar os efeitos no mercado e na economia desse próprio risco populista nesta eleição, que apenas começa a entrar nos preços. (fernando.dantas@estadao.com)

Fernando Dantas é colunista do Broadcast

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Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 11/5/18, Broadcast.

Opinião por Fernando Dantas
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