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Economia e políticas públicas

Opinião|Como Cunha sequestrou a agenda

Cientista político Octavio Amorim Neto vê quatro grandes erros do PT na condução do relacionamento com PMDB, e compara Cunha a Newt Gingrich, presidente da Câmara dos EUA no governo Clinton.

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Atualização:

Para o cientista político Octavio Amorim Neto, da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape/FGV-Rio), a comparação mais adequada para o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB/RJ), não é com Frank Underwood, o inescrupuloso político do seriado norte-americano House of Cards. Na sua opinião, um personagem da vida real assemelha-se mais a Cunha: Newt Gingrich, o político republicano que se tornou presidente da Câmara durante o governo do presidente democrata Bill Clinton.

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Gingrich, um político altamente inteligente e ambicioso, como Cunha, conseguiu dominar a agenda legislativa nos Estados Unidos no período, desafiando o protagonismo presidencial, e impondo temas alheios ou mesmo contrários às diretrizes do governo.

Amorim vê o mesmo fenômeno ocorrer no Brasil, mas, neste caso, ele acha que o avanço de Cunha se deveu a uma série de grandes erros cometidos pela presidente Dilma Rousseff e pelo PT na gestão do governo de coalizão. Em escala mais contida, um processo semelhante ao de Cunha na Câmara ocorre no Senado, cujo presidente é Renan Calheiros (PMDB/AL).

"Há sólidas razões políticas para que os presidentes peemedebistas da Câmara e do Senado estejam impondo uma agenda própria e distinta daquela do Planalto", diz o pesquisador.

Amorim vê uma sequência de quatro grandes erros do governo que se somaram ao naufrágio da popularidade presidencial para criar as condições para que Cunha, sobretudo, sequestrasse boa parte da agenda política nacional.

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O primeiro foi a inclusão de uma reforma política por meio de uma assembleia nacional constituinte na lista de cinco propostas de Dilma na esteira das manifestações de junho de 2013. O PMDB, principal parceiro do PT na coalizão governista, detestou a sugestão, que classificou de bolivariana. Apesar disso, em seu discurso de vitória depois das eleições do ano passado, Dilma voltou a insistir na proposta - o segundo erro.

O terceiro erro foram as articulações, apoiadas pelo Planalto, para que Gilberto Kassab, atual ministro das Cidades, transformasse o PSD num rival do PMDB, possível superando-o em número de cadeiras no Congresso e substituindo-o como principal partido da base aliada. E, finalmente, o quarto erro consistiu na oposição do governo à candidatura de Cunha na Câmara, que resultou numa fragorosa derrota para Dilma.

Amorim observa que, simultaneamente a um processo de enfraquecimento e a uma campanha presidencial acirradíssima em que obteve uma vitória muito apertada, o PT entregou-se a um crescendo de hostilidades contra seu principal parceiro político - uma estratégia de risco elevadíssimo para um governo de coalizão.

Para o cientista político, a relação de Dilma com o PMDB "trincou" com a proposta da assembleia nacional constituinte em 2013 e "estilhaçou-se" com a oposição à candidatura de Cunha à presidência da Câmara. Com a escolha do vice-presidente Michel Temer para a coordenação política, tentou-se uma recomposição, mas já num contexto muito deteriorado.

"O Cunha representa o que é até certo ponto uma reação politicamente legítima do PMDB de ressentimento, rancor e desejo de vingança contra um suposto aliado que vinha fustigando-o e cutucando-o com vara curta o tempo todo", analisa o pesquisador.

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Assim, embora o Congresso tenha dado parcial apoio às medidas de ajuste fiscal, a toda hora joga no colo da presidente a necessidade de vetar medidas que beneficiam grupos e segmentos específicos, como a correção de todas aposentadorias e pensões pelo salário mínimo e o aumento do Judiciário. Numa outra esfera, Cunha toca uma agenda inteiramente sua, e - no caso específico - contrária ao Planalto e à sua base política, como a redução da maioridade penal.

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Evidentemente, o problema só assumiu a proporção atual por causa da gigantesca queda da popularidade e enfraquecimento político da presidente, ao optar por uma política econômica radicalmente contrária àquela vendida na campanha eleitoral e como efeito da sucessão de escândalos.

Mesmo nesse cenário, Amorim acha que Cunha pode estar esticando a corda demais do seu recém-conquistado poder. "Se a gente pensar do Gingrich, ele acabou perdendo o embate com o Clinton - por mais que a Dilma esteja enfraquecida, nosso regime é presidencial, e o governo tem muitos instrumentos para tentar retomar a agenda". (fernando.dantas@estadao.com)

Fernando Dantas é jornalista da Broadcast

Esta coluna foi publicada pela AE-News/Broadcast em 3/7/15, quinta-feira

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Opinião por Fernando Dantas
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