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Economia e políticas públicas

Opinião|Heterodoxos rejeitam nova matriz

Implantada pelo ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, a política econômica do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff é criticada por duas correntes de pensamento heterodoxo - mas por motivos muito diferentes.

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Atualização:

No primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, mudanças foram introduzidas na política econômica brasileira, que ficaram conhecidas como "nova matriz econômica". Dados os maus resultados, que desaguaram na crise atual, a nova matriz virou quase sinônimo de fiasco.Neste momento, de forma turbulenta, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, encabeça o esforço para, com uma radical virada ortodoxa, desfazer inteiramente o conjunto de propostas da nova matriz.

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Curiosamente, porém, hoje a impressão que se tem é que a política econômica do primeiro mandato foi fruto de concepções quase que exclusivamente do ministro da Fazenda, Guido Mantega. As principais correntes da heterodoxia brasileira, que teoricamente teriam servido de base para as mudanças, são fortemente críticas da política econômica do primeiro mandato de Dilma.

Do ponto de vista dos autointitulados neodesenvolvimentistas, cujos representantes mais vocais são Luiz Carlos Bresser Pereira e José Luis Oreiro, seria preciso perseguir uma política de desvalorização real do câmbio muito mais consistente e profunda do que a tentada a partir de 2011, de tal forma a dar a indústrias de ponta tecnológica instaladas no Brasil condições de competitividade internacional.

Simultaneamente, para Bresser, o déficit em conta corrente deveria ser zerado porque aprecia o câmbio (em função dos juros altos para atrair capitais para financiá-lo) e não ajuda a financiar um maior nível de investimentos, apenas substituindo poupança doméstica por poupança externa.

Há o problema, porém, de como ampliar a poupança doméstica, visto que a alta inflação e o déficit externo indicariam que não há recursos ociosos na economia para um impulso "keynesiano" aos investimentos e ao crescimento, via demanda, que não acentuasse ainda mais aqueles desequilíbrios.

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Oreiro vem dizendo sem subterfúgios que a política econômica recente sucumbiu ao populismo ao permitir que os salários subissem muito acima da produtividade. Ele advoga o ajuste fiscal como forma de conter a demanda e ajustar os salários de tal forma a aumentar a participação do capital na distribuição funcional da renda - o que criaria a poupança doméstica, visto que os ricos poupam mais que os pobres.

Mas há outra crítica heterodoxa à nova matriz de teor muito diferente - e quase contrário em alguns aspectos - da formulada pelos neodesenvolvimentistas. Centrada no atual pensamento econômico que predomina na Universidade de Campinas, esta visão considera, pelo contrário, que o ajuste fiscal e a correção do mercado de trabalho são parte do problema, e não da solução.

Segundo o economista Pedro Paulo Zahluth Bastos, de Campinas, um dos expoentes dessa corrente de pensamento, "o ajuste de Levy já fracassou".

Ele nota que, quando Levy e o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, anunciaram seu plano de voo, no final do ano passado, havia expectativa do mercado (de acordo com a pesquisa Focus do BC), de que a economia teria crescimento levemente positivo em 2015, puxada pelo ganho de credibilidade com a correção dos desequilíbrios. Hoje a expectativa é de que possa cair até 2%, o que Bastos atribui à queda da demanda provocada pelo ajuste - um fator que, a seu ver, economistas ortodoxos como Levy subestimam.

Na visão de Bastos, as economias quase sempre funcionam com recursos ociosos e o Brasil dos últimos anos não é uma exceção. Não foi a demanda excessiva que criou os problemas inflacionários, reflexos na verdade da depreciação cambial e de um inevitável choque de custos no setor de serviços por questões estruturais; nem o déficit externo, derivado da mudança da geografia industrial global, com o aperto da competição e a preponderância asiática no setor.

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A desaceleração pós-2010, para ele, era inevitável. Foi uma combinação entre uma desaceleração interna cíclica de crédito e de consumo - e, consequentemente, do investimento - com a mudança da geografia industrial global.

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A sua prescrição econômica para o ano decisivo de 2011 teria sido de ampliar investimentos públicos, políticas sociais e até contratações de funcionários, para se contrapor à desaceleração cíclica, que em algum grau teria ocorrido de qualquer forma.

O erro da nova matriz de Mantega, para Bastos, foi ter feito o estímulo na forma de renúncias fiscais e outros incentivos - incluindo o controle ou redução de preços administrados, como combustíveis e energia - a segmentos da indústria e ao consumo de produtos manufaturados. A razão é que a indústria foi justamente o setor mais afetado pelas condições adversas, e, portanto, menos propenso a investir. Ele considera que os efeitos sobre a atividade econômica dessa escolha, embora possam ter mitigado um pouco a desaceleração cíclica e a queda da arrecadação, foram muito inferiores aos que teriam sido colhidos com o aumento direto do investimento público e dos gastos sociais.

Quanto à indústria, o economista diz que a única forma de preservá-la, caso esta fosse a intenção, seria em 2011 ter recorrido à defesa comercial, incluindo aumento de tarifas; e negociação direta com multinacionais, para tentar fazer com que mantivessem no Brasil etapas da cadeia produtiva que pretendiam mudar para outros países.

Segundo Bastos, o governo internalizou os custos de tentar preservar o consumo e o investimento após a desaceleração, e o que Levy tenta agora é externalizá-los, fazendo o ajuste fiscal, revertendo desonerações, corrigindo preços administrados e reduzindo o estoque de swaps cambiais para deixar o câmbio se depreciar. Ele prevê uma prolongada espiral de enfraquecimento da demanda e acha que apenas com um "milagre" a economia poderia voltar a crescer puxada pelas exportações. (fernando.dantas@estadao.com)

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Fernando Dantas é jornalista da Broadcast

Esta coluna foi publicada pela AE-News/Broadcast em20/7/15, segunda-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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