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Economia e políticas públicas

Opinião|Lava-Jato e governabilidade

Uma estreita rota de melhoria na economia e na política se estabeleceu, com a complacência internacional compensando a pouca disposição do governo Temer em apertar a política fiscal no curto prazo. O risco é que a Lava-Jato rompa este frágil equilíbrio.

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Atualização:

Há sinais razoavelmente consistentes de que a economia brasileira está próxima de um ponto de inflexão entre uma recessão aguda e prolongada e uma retomada cujo ritmo é difícil de prever. No momento, existe uma forte dispersão nas expectativas de crescimento para 2017. Mesmo descartando as projeções nos limites do pessimismo e do otimismo, há um intervalo amplo, entre algo próximo a zero e números superiores a 2%.

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Ocorreu uma notável melhora das expectativas de empresas e consumidores desde que o presidente em exercício, Michel Temer, assumiu sua atual posição. Mas este avanço deu-se basicamente em relação às expectativas para o futuro próximo, enquanto a avaliação sobre a situação presente continua deixando a desejar. É natural que isto ocorra em recuperações, mas, enquanto a melhora não se refletir na situação atual, sempre há o risco de que se trate de um "falso positivo" - isto é, que a confiança mergulhe novamente.

Na atual conjuntura, a consistência da retomada da confiança é particularmente decisiva, já que este componente psicossocial teve um grande peso em determinar a extensão e a profundidade da atual recessão, especialmente no que se refere aos investimentos. "O choque favorável de expectativas no segundo trimestre de 2016, caso não encontre nenhum grande obstáculo pela frente, pode gerar um círculo virtuoso de melhoras da confiança e da demanda, uma puxando a outra, o que pode levar o PIB a surpreender positivamente em 2017", diz Bráulio Borges, economista-chefe da consultoria LCA.

Todo esse processo, entretanto, depende crucialmente de que, como reitera o economista da LCA, a retomada da confiança não esbarre num "grande obstáculo".

A maior parte dos analistas vê hoje como ameaça principal a possibilidade de que as peças básicas da reforma fiscal proposta pelo governo Temer não passem no Congresso, ou lá sejam desfiguradas. Assusta, por exemplo, que na negociação com os Estados sobre a imposição de um limite de gastos, como o que a PEC 241/16 pretende impor à União, o governo dê mostras de ceder a grupos de pressão do Judiciário e do Ministério Público em termos de excetuar do teto auxílios, indenizações e gastos com terceirizados.

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Por outro lado, o mercado internacional dá mostras de grande complacência, inundado pela liquidez trazida pela perspectiva cada vez mais assentada de que a tão temida normalização da política monetária norte-americana será um longo e suave processo. De certa forma, o aumento da tolerância externa vem compensando a decepção interna com o que é percebido como a pouca disposição até agora de Temer de enfrentar os principais lobbies que tradicionalmente se interpõem no caminho do ajuste fiscal.

Talvez o maior risco, portanto, seja o de que um novo fator desmonte esse frágil equilíbrio entre complacência internacional e o "empurra com a barriga" doméstico. Um possível candidato, evidentemente, seria uma mudança súbita na liquidez e/ou no apetite de risco internacional, mas não parece que estas possibilidades sejam no momento particularmente preocupantes.

No cenário interno, porém, há um claro fator de risco: as chances de que a operação Lava-Jato, que agora, segundo órgãos de imprensa, tem menções a Temer e ao seu ministro das Relações Exteriores, José Serra (ambos negam ter cometido ilegalidades), torpedeie a governabilidade que o presidente em exercício conseguiu habilmente reconstruir desde que assumiu o cargo. Neste caso, o barco pode sacudir violentamente de novo, inclusive porque os votos cruciais para as peças de resistência da estratégia fiscal do governo - a aprovação da PEC do limite de gastos e da Reforma da Previdência - poderiam ficar gravemente ameaçados. (fernando.dantas@estadao.com)

Fernando Dantas é jornalista do Broadcast

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 8/8/16, segunda-feira.

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Opinião por Fernando Dantas
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