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Economia e políticas públicas

Opinião|Liberais versus industrialistas

O conflito de visões econômica que racha o centro político brasileiro.

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Atualização:

Um dos graves problemas do centro para se estabelecer como uma força política competitiva no Brasil atual é o perene conflito entre liberais e desenvolvimentistas. Curiosamente, estes últimos são vistos às vezes como pertencentes ao campo da esquerda, mas seu patriarca, Roberto Simonsen, era um representante da classe empresarial. A Fiesp, por sua vez, que congrega interesses industrialistas, e tornou-se nos últimos anos um dos principais alvos das críticas dos economistas liberais, está definitivamente no campo da centro-direita. Não por acaso, foi um dos mais entusiastas participantes da campanha pelo impeachment.

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Não há dúvida de que, tanto para liberais como para a Fiesp, há um claro inimigo comum: o populismo de esquerda, de viés estatista, adepto de um distributivismo cego aos limites fiscais, e que tipicamente produz desequilíbrios e crises econômicas, como fica claro em diversos episódios históricos de países latino-americanos como Brasil, Argentina, Venezuela, Peru e outros.

Os liberais, entretanto, consideram que os subsídios que fluem para a indústria e outros setores também são uma causa do quadro de insustentabilidade fiscal, e deploram o excesso de proteção às empresas nacionais, que seria um entrave ao aumento da produtividade e da competitividade.

Na verdade, a interação entre todas essas forças econômica e políticas no Brasil e na América Latina é bem mais complexa do que qualquer esquema simplificado. Há situações e contextos em que governos populistas de esquerda convivem bem com o empresariado, como no caso de boa parte da era Lula. Há líderes populistas de esquerda que mantêm razoável disciplina fiscal, como Evo Morales, da Bolívia. E há ditaduras de direita que promoveram políticas estatistas e intervencionistas - como no caso da era Geisel - ao gosto de economistas desenvolvimentistas mais identificados com a centro-esquerda.

De qualquer modo, no Brasil de hoje, como se viu nitidamente no movimento pelo impeachment de Dilma Rousseff, há momentos em que se forma uma aliança entre a Fiesp e os liberais contra o que seria a ameaça econômica e política de um populismo de esquerda exacerbado. Embora Lula e o PT nunca tenham chegado nem perto das atrocidades econômicas e institucionais cometidas pelo chavismo na Venezuela, há uma parcela de elite econômica no Brasil que cultiva esse temor.

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Essas forças que se opõem ao populismo tendem a desaguar numa mesma candidatura centrista que se mostre competitiva para as eleições de 2018. Mas um pouco como acontece com o próprio PSDB hoje em dia, cujas brigas fratricidas em plena luz do dia enfraquecem qualquer tentativa de ação unificada, industrialistas e liberais são sócios políticos com altíssimo teor de hostilidade mútua, obrigados a viver no mesmo condomínio.

Há um diagnóstico consolidado entre a grande maioria dos economistas influentes do País: o Brasil tem um problema fiscal estrutural dramático, cuja solução inclui uma dura reforma da Previdência (mas não se esgota aí), e é necessário também retomar um crescimento decente da produtividade se o objetivo é crescimento econômico com distribuição de renda.

Essa mensagem, entretanto, muitas vez chega truncada à população - mesmo à camada dos formadores de opinião -, em meio à eterna briga de liberais e industrialistas em torno de juros, câmbio, protecionismo, subsídios à indústria nacional, BNDES, etc. Esse conflito entre as forças teoricamente a favor da economia de mercado ajuda a esquerda mais radical e anticapitalista, que rejeita aquele diagnóstico descrito acima.

No conflito, os industrialistas juntam-se à esquerda populista para denunciar os liberais como representantes dos interesses do sistema financeiro, que seria o grande responsável pela rapinagem que impede o desenvolvimento brasileiro. E os liberais denunciam os industriais ricos que são contemplados com o "Bolsa-Empresário" do BNDES e outros favores do Estado.

Os candidatos tucanos à presidência tradicionalmente têm que arbitrar esses interesses conflitantes. Em sua campanha, Aécio Neves, ao escolher Arminio Fraga como seu homem da economia, posicionou-se claramente a favor dos liberais. Por mais que se possa criticar Aécio em termos de ética, pelo menos nessa escolha de uma direção ideológica ele saiu do muro tucano e exerceu a liderança política ao arbitrar a disputa numa determinada direção. É claro, por outro lado, que, se Aécio chegasse ao Planalto, a gestão desse conflito seria bem mais difícil, pois os interesses industrialistas são bastante poderosos nos bastidores do governo.

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Geraldo Alckmin, caso se consolide como principal candidato centrista, terá também que fazer a sua escolha. Independentemente de qual seja a solução de compromisso (este colunista, por exemplo, está mais para o lado dos liberais do que dos industrialistas), é importante que o centro consiga pacificar os ânimos e criar uma agenda comum de desenvolvimento democrático e capitalista da sociedade brasileira, em defesa da qual todos que comungam desta mesma visão de mundo se unam. (fernando.dantas@estadao.com)

Fernando Dantas é colunista do Broadcast

Uma primeira versão desta coluna foi publicada pelo Broadcast em 4/12/17, segunda-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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