Para boa parte da esquerda, o caso grego ilustra o fracasso das políticas de austeridade. Para boa parte da direita, é um caso exemplar dos perigos do populismo e da irresponsabilidade fiscal. Muitas lições são tiradas da crise grega, inclusive relativas ao Brasil, e a maioria delas peca pelo simplismo. A Grécia é um caso bastante singular, e deve ser analisado como tal. Feita a devida filtragem, a crise grega traz, sim, lições para o Brasil.
Carlos Kawall, economista-chefe do Banco Safra, chama a atenção para o fato de que a Grécia, comparada ao Brasil, é uma economia pequena, muito menos diversificada e presa a um regime inflexível de câmbio. O país já entrou em default em 2012, renegociou a dívida, mas esta permanece impagável e a economia não cresce.
O Brasil, com câmbio flutuante e grau de investimento, vive um momento difícil de ajuste econômico numa situação incomparavelmente melhor que a Grécia. Mas Kawall chama a atenção no drama grego para uma combinação perigosa que o Brasil já apresenta: dinâmica perversa da dívida pública, baixo crescimento potencial e reformas bloqueadas ou muito dificultadas pela dinâmica política.
"Em situações como essa, o país acaba forçado a embarcar num programa de austeridade que vira um ônus político - no caso grego, isto está empurrando na direção de uma saída dramática, que seria a saída da zona do euro".
Para o economista, "a relutância em fazer reformas e a falta de consenso político podem cobrar um preço alto mais à frente". Ele observa que o Brasil já enfrenta uma situação estrutural mais complicada do que no passado recente, e que é fruto da falta de reformas. O duro ajuste fiscal, monetário e de preços administrados em curso não aponta, como em 1999 e 2003, para uma retomada de crescimento num nível satisfatório quando a etapa mais sofrida for superada.
Armando Castelar, economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV-Rio, diz que uma das principais lições para o Brasil da crise grega é sobre o equívoco de achar que o mercado disciplina o mau comportamento dos países, e, portanto, não há muito com o que se preocupar enquanto houver financiamento. Ele nota que de fato em algum momento o mercado puxa o tapete, mas isso muitas vezes ocorre quando o problema já atingiu dimensões gigantescas e a sua "solução" implica consequências catastróficas.
"A Grécia mostra que é fundamental que exista a autodisciplina, já que a 'disciplina dos mercados' deixou o problema chegar ao ponto que chegou", diz o economista.
Outra lição evidente do caso grego, para Castelar, é o grande perigo de se acumular passivos. Este ponto está ligado ao primeiro. A Grécia no período pré-crise conseguiu financiar déficits em conta corrente acima de 10% do PIB e déficits públicos que também atingiram dois dígitos (embora, neste caso, a contabilidade criativa tenha apresentado números menores, mas ainda assim muito acima do razoável). Dessa forma, os passivos cresceram até que, após a crise, resultaram grande demais para qualquer solução não-dramática.
O economista do Ibre observa que, como o Brasil, o problema fiscal grego é em boa parte um problema previdenciário. No Brasil, ele continua, todo o corte de investimentos do atual ajuste fiscal equivale aproximadamente ao aumento dos gastos previdenciários no período.
"Nós estamos claramente empurrando o problema da Previdência com a barriga, de uma forma muito parecida com os gregos", conclui Castelar. (fernando.dantas@estadao.com)
Fernando Dantas é jornalista da Broadcast
Esta coluna foi publicada pela AE-News/Broadcast em 30/6/15, terça-feira.