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Economia e políticas públicas

Opinião|Mansueto e o limite do possível

Secretário de Acompanhamento Econômico da Fazenda explica por que déficit primário em 2017 ainda será alto, mas há razões para otimismo a partir de 2018.

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Atualização:

O ajuste fiscal que o País enfrenta se dá em condições muito diferentes e piores do que os de episódios de crise da história recente, como o realizado em 2003, no início do primeiro mandato do governo Lula. A avaliação é de Mansueto Almeida, secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda. Desta forma, o fato de que em 2017 ainda será registrado um grande déficit primário, cuja meta está para ser definida, é visto por ele como inevitável. Por outro lado, o economista cita razões pelas quais acredita que, a partir de 2018, a recuperação do primário deve se dar em ritmo mais rápido.

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Ele diz que recentemente pediu avaliações sobre a meta de déficit primário em 2017 para cerca de 15 instituições do mercado. As mais otimistas estavam na faixa de R$ 100 a R$ 110 bilhões, e, na visão do secretário, incluíam alguns itens irrealistas, como a aprovação da CPMF. As maiores projeções eram próximas de R$ 150 bilhões.

Mansueto acha relevante comparar o atual ajuste com o de 2003. Naquela época, ele diz, "havia uma tripla herança bendita, superávit primário alto, um longo ciclo de reformas e nada a resolver em termos de Estados e municípios, que já haviam renegociado suas dívidas".

Outro aspecto ressaltado pelo secretário é o de que é bem mais fácil fazer ajuste fiscal em momentos em que o PIB nominal - o denominador do resultado primário - cresce rápido, como em 2003 e 2004, quando o ritmo estava em torno de 15% ao ano. Em 2015 e 2016, o PIB nominal cresceu abaixo de 6%, diz Mansueto.

Ele considera "emblemático" o crescimento recente das despesas do INSS como proporção do PIB. Elas saíram de 5,9% para 6,9% do PIB de 2002 a 2014, e devem chegar a 8,1% do PIB em 2016 - isto é, uma expansão de 1 ponto porcentual do PIB em 12 anos, e de 1,2 num período muito mais curto.

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Mansueto também chama a atenção para o fato de que, em 2003-2004 e 2009-2010, houve rápidas recuperações puxadas pelo consumo, com impacto positivo veloz na arrecadação. Agora, a expectativa é que a retomada seja puxada por setores da oferta e da demanda pouco tributados, como exportações, investimentos e agropecuária.

Adicionalmente, o economista observa que a recuperação das receitas numa retomada econômica é tão menor quanto pior tiver sido a atividade econômica no ano anterior, pois muitos tributos incidem sobre o desempenho do ano precedente. Assim, depois da crise de 2009, a recuperação da arrecadação veio de fato em 2011, se for descontada de 2010 a contribuição artificial da cessão onerosa da Petrobrás. Em 2017, o País virá de uma queda do PIB hoje estimada pelo mercado em 3,35%.

Em relação à dificuldade de estabelecer a meta de primário para 2017, Mansueto nota que o problema está todo no lado da receita. Pelo lado da despesa, já considerando que a PEC do limite do gasto público será aprovada este ano e valerá para o próximo, o economista diz que o crescimento total deve ficar abaixo de R$ 80 bilhões.

"Em 2016, apenas a Previdência, o Loas (assistência social), o seguro-desemprego e o abono salarial devem ter uma expansão de R$ 85 bilhões", ele compara. De 2013 a 2014, o crescimento médio anual da despesa federal ficou em torno de R$ 115 bilhões, e isto em termos nominais - corrigido pela inflação, o número é maior.

Estimar a receita de 2017, porém, depende de saber quanto o PIB vai crescer no próximo ano. O intervalo das projeções mais respeitadas está elevado. "Temos que trabalhar com a média do mercado, mesmo achando que pode haver surpresa positiva", diz. Além disso, é preciso juntar as estimativas que vêm de três áreas diferentes do governo: Receita Federal, para impostos e contribuições; Secretaria da Previdência Social, para as receitas previdenciárias (para cuja projeção é preciso estimar o impacto da crise no mercado de trabalho, o que não é trivial); e a Secretaria do Tesouro para as receitas não administradas, como concessões, dividendos, royalties, etc.

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Venda de ativos

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Mansueto nota que, no Orçamento aprovado para 2016, havia previsão de receitas com vendas de ativos de R$ 30 bilhões, o que caiu para R$ 3 bilhões. Agora, ele continua, o TCU passou a exigir - de forma justa, a seu ver - que haja memórias de cálculo para essas estimativas, e o governo pediu aos diversos órgãos setoriais que façam notas técnicas com números "cautelosos".

Por outro lado, continua o secretário, "não há tempo a perder na venda de ativos, e o governo vai correr com o processo de privatização e concessão, de forma muito organizada". Há vários itens nessa lista, como a Caixa Seguradora, petróleo, hidrelétricas, aeroportos, etc. Segundo Mansueto, "a Casa Civil entrou com todo o gás para melhorar o marco regulatório e fortalecer as agências reguladoras".

Além disso, ele observa que o BNDES está com uma nova gestão, com mais foco em privatização e concessão, o Ministério das Minas e Energia incorporou técnicos de alta qualidade com a mesma visão, e há ainda há o trabalho de Moreira Franco, secretário executivo do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) da Presidência da República.

Mansueto defende as decisões do governo Temer referentes a aumento de gastos, como o reajuste do funcionalismo e o acordo com os Estados. No primeiro caso, já havia um acerto negociado durante um ano e meio, e reabrir a discussão não seria compensador em termos de custo e benefício, considerando-se a agenda política do governo, inclusive a aprovação da PEC do limite de gastos. Ele diz adicionalmente que o acordo com o funcionalismo causará queda real da folha de pessoal nos quatro anos de 2015 a 2018, "o que não acontece no Brasil desde 1997".

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Quanto ao acordo com Estados, o assunto saiu do Supremo, São Paulo voltou a pagar, haverá um gradativo retorno ao pagamento normal de todos os Estados e o que não foi pago será incorporado à dívida. Há também uma série de iniciativas de ajuste fiscal subfederativo, como a inclusão dos Estados na PEC dos gastos, reforma da Previdência estadual, adesão a um Funpresp estadual, proibição de aumentos salariais, etc.

Para Mansueto, as duas grandes preocupações do mercado hoje são a aprovação do impeachment de Dilma Rousseff no Senado e da PEC dos gastos. Mas ele reconhece que, se apenas se aprovar a PEC e não se fizer mais nada, a despesa obrigatória vai comer quase todo o espaço fiscal da discricionário. Assim, em 60 a 90 dias deve estar pronta a proposta da reforma da Previdência, que naturalmente terá um processo de aprovação mais demorado e vai trazer ganhos a médio e longo prazo.

No front de curto prazo, há alguns ganhos para 2017, relativos aos efeitos de uma mudança de prazos no abono salarial e seguro desemprego, e a pequena redução de subsídios e equalização de juros. No auxílio-doença, a ideia é tentar periciar todos os beneficiários há mais de dois anos, com os quais se gasta R$ 13 bilhões, mais da metade do total do programa.

Choque de realidade

De qualquer forma, é no período a partir de 2018, quando a arrecadação deve se recuperar mais significativamente, por se seguir a um ano supostamente de crescimento, que Mansueto e a atual equipe econômica jogam suas fichas.

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Em relação a possíveis fragilidades legais da PEC, apontadas por algumas fontes jurídicas, o economista diz que "sempre pode haver problema jurídico, e, neste caso, vamos dialogar com o Supremo e tentar consertar".

Para Mansueto, a PEC, ao fixar a evolução das despesas num patamar que se tornará bastante rigoroso, deve acabar com a tradição da "discussão amigável no Congresso", na qual, em vez de os parlamentares e os grupos de interesse representados se enfrentarem na disputa por um bolo finito, há um movimento comum para inflar a receita para poder aumentar o gasto, numa tentativa de atender todas as demandas. "O incentivo para isso passará a zero - a PEC será um choque de realidade, e quero ver como será a reação do Congresso", ele conclui. (fernando.dantas@estadao.com)

Fernando Dantas é jornalista do Broadcast

Esta coluna foi publicada pela AE-News/Broadcast em 6/7/16, quarta-feira.

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