As indicações são de que Henrique Meirelles sairá mesmo do governo, provavelmente para o MDB, para tentar a sorte numa candidatura presidencial ou como vice da candidatura de Michel Temer (a informação foi da saída do governo e filiação ao MDB foi oficializada depois de publicada a coluna).
Provavelmente o atual ministro da Fazenda avalia que é "agora ou nunca" para seus antigos planos de fazer carreira política.
Meirelles fez um longo desvio em relação a esse objetivo, mas que lhe rendeu um prestígio junto à elite liberal do País que não teria caso em 2002 tivesse recusado o convite do recém-eleito presidente Lula para a presidência do Banco Central (BC). À época, o ministro da Fazenda acabara de se consagrar como o deputado federal mais votado de Goiás, concorrendo pelo PSDB, arquirrival de Lula e do PT.
Foi uma virada e tanto, atestando o gosto de Meirelles por lances ousados na sua carreira profissional e pública.
O sucesso da empreitada foi grande. Primeiro, com Antonio Palocci no Ministério da Fazenda, o então presidente do BC completou a dupla responsável pelo ajuste ortodoxo dos três primeiros anos do governo Lula, que assentaria as bases para o melhor período da economia brasileira nas últimas décadas - com a ajuda também, é claro, do boom das commodities.
Foram os tempos gloriosos que combinaram a obtenção de investment grade com a maior distribuição de renda e queda da pobreza no Brasil do período da redemocratização.
Na verdade, com a substituição de Palocci por Guido Mantega na Fazenda no início de 2006, iniciou-se um progressivo progresso de corrosão dos princípios liberais da política econômica de Lula. Ainda assim, com a forma surpreendente como o Brasil superou rapidamente os efeitos da crise global de 2008 e 2009, permaneceu até 2010 a sensação de que Lula era o presidente que conseguiu combinar sensatez na economia e generosidade na política social na América Latina, uma região marcada pelo populismo.
De certa forma, Meirelles beneficiou-se da falta de química entre ele e a ex-presidente Dilma Rousseff, que vetou a sua permanência no Banco Central depois de ser eleita e assumir o governo em 2011. Dessa forma, o atual ministro da Fazenda desvinculou-se do lulopetismo no apogeu de 2010, e sua imagem não foi tisnada pelo desastre da nova matriz econômica.
Em 2014, Meirelles novamente foi poupado do naufrágio do segundo mandato de Dilma por causa da antipatia da ex-presidente por ele. Mesmo que alegue que não toparia assumir o atual cargo em 2015, com certeza Lula preferia que Meirelles fosse o escolhido, e não Joaquim Levy - e, como se sabe, é difícil resistir a um apelo de Lula.
Meirelles chegou à Fazenda depois do impeachment, reunindo um "dream team" de economistas admirados pelo mercado e pela elite liberal e tocando um dos mais abrangentes programas de reformas pró-mercado do período da redemocratização.
Seria injusto dizer que o ministro da Fazenda falhou de forma fundamental por não ter conseguido passar a reforma da Previdência, a peça central do ajuste fiscal estrutural. O escândalo das fitas de Joesley Batista foi um choque que destruiria qualquer articulação política, por mais bem montada que tivesse sido.
Na verdade, diversas medidas importantes foram tomadas, e a economia hoje está se recuperando (ainda que o ritmo seja mais lento e oscilante do que o ideal) com inflação e juros em recordes de baixa e o setor externo sólido como uma rocha. O teto de gastos foi aprovado, assim como a TLP e uma série de medidas da agenda microeconômica, e foi realizada substancial redução dos subsídios.
Houve um tremendo salto de governança em estatais como Petrobrás e Eletrobrás. Leilões e concessões começaram a decolar, ainda que com os entraves políticos e regulatórios típicos do Brasil. Mesmo na área fiscal a curto prazo, a recuperação da receita acena com cenários melhores do que os previstos há apenas alguns meses.
Meirelles, obviamente, não é o responsável único por tudo isso. Nomes como Ilan Goldfajn, do BC, Pedro Parente, da Petrobrás, e outros dividem esses louros com o ministro da Fazenda. Mas não é exagero dizer que a escolha inicial de Meirelles por Temer fixou uma âncora de credibilidade, a partir da qual foi possível atrair todos esses nomes, incluindo o "dream team" da Fazenda.
Qualquer analista de boa fé e bom senso percebe hoje que, se o próximo presidente priorizar no seu primeiro ano a reforma da Previdência e outras medidas de ajuste fiscal, o País tem tudo para desfrutar de um bom período econômico, em que pese a agenda gigante pela frente.
Curiosamente, entretanto, apesar dos bons serviços prestados e do timing oportunista de suas passagens pelo governo, Meirelles reembarcará na trilha política com um cacife bem duvidoso. O governo Temer, do qual deve sair em breve, é o mais impopular do período democrático. Temer e Meirelles, caso juntem forças em uma chapa presidencial, somarão índices minúsculos de intenções de voto (pela fotografia atual), e incompatíveis com as posições no topo da República que ocupam.
Meirelles, ainda por cima, verá se voltarem contra si baterias normalmente reservadas para quem disputa cargos políticos, e das quais os titulares de cargos não eletivos costumam ser poupados: sua passagem pelo Conselho da holding da JBS, por exemplo, com certeza será explorada, assim como seus ganhos superelevados pela participação na criação do Banco Original, da família Batista.
O ministro da Fazenda, entretanto, como já notado, é um homem com apetite por risco e predisposição a lances ousados. Em 2002, nomes de prestígio no mercado financeiro fugiram do convite de Lula para o BC como o diabo da cruz, em meio à violenta crise provocada pela chegada do PT ao poder. Meirelles arriscou, contra a visão consensual à época, e a aposta pagou enormemente. Agora, ele aparentemente vai desafiar o pensamento convencional de novo. As chances de frustração e desapontamento são muito grandes, mas Meirelles não é o tipo de pessoa que se intimide facilmente. (fernando.dantas@estadao.com)
Fernando Dantas é colunista do Broadcast
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 27/3/18, terça-feira.