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Economia e políticas públicas

Opinião|Mercados e fé

Existe um conjunto de hipóteses otimistas que pode justificar a atual exuberância dos mercados no Brasil. Mas é preciso acreditar com força.

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Atualização:

A reação (ou talvez não reação) dos mercados à nova denúncia contra Michel Temer mostra que, gostem ou não os analistas mais precavidos, há efetivamente um descolamento entre política e economia no Brasil.

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Sempre é possível criar narrativas que justifiquem o que está acontecendo com a bolsa, o dólar e os juros. Uma pressuposta maior facilidade de Temer em derrubar a segunda denúncia no Congresso teoricamente reforça o presidente e, quem sabe, abre uma possibilidade de se aprovar pelo menos a idade mínima da Previdência antes que a campanha eleitoral encerre a vida útil do Legislativo em termos de reformas.

Não é preciso muito ceticismo para perceber que a hipótese acima é, bem, apenas uma hipótese. Um raciocínio mais linear diria que quanto mais os escândalos em série preencham o tempo útil de atividades no Congresso, menos tempo sobrará para o trabalho de convencimento e o ritual de muitas etapas necessários para aprovar mudanças constitucionais no Congresso.

Assim, a impressão é mesmo a de que talvez mudanças na Previdência antes do próximo mandato presidencial já não sejam vistas como algo crucial pelo mercado, e, se por acaso saírem, talvez justifiquem até voos ainda mais altos do Ibovespa.

O buraco negro fiscal para o qual o País se encaminha sem mudanças estruturais, cantado em verso e prosa pelos economistas mais respeitados pelos investidores e pelo sistema financeiro, aparentemente sumiu do mapa de preocupações. As contas que embasam as projeções alarmantes sobre a trajetória da dívida pública, entretanto, permanecem as mesmas.

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Pode ser que a espetacular queda da inflação tenha arrastado para baixo as estimativas sobre a taxa de juros real neutra, o que tem impacto nas projeções da relação dívida/PIB. Ok, mas se o juro neutro caiu de, digamos 5,5% para 4%, isto alivia, mas não resolve o problema fiscal. E por enquanto, até onde a vista alcança, não há ninguém imaginando que o juro neutro vá cair para 1% ou 2% no horizonte dos exercícios de projeção da dívida, o que, aí sim, num mundo paralelo e imaginário, melhoraria fortemente a posição de solvência brasileira.

Outra suposição otimista é de que a virada cíclica da economia vai recuperar robustamente as receitas tributárias. Entretanto, mesmo quem aposta nisso, como Bráulio Borges, economista-chefe da consultoria LCA e pesquisador-associado do Ibre/FGV, ainda vê um gap fiscal primário de 2,5 a 3 pontos porcentuais (pp) do PIB para estabilizar a relação dívida/PIB.

É menos que os 5 a 6 pp que são vistos como necessários por muitos analistas, mas é também um esforço fiscal que exigiria atacar frontalmente as despesas rígidas - e não há absolutamente nada à vista que vá nesta direção, com a exceção do "wishful thinking" de alguns que ainda mantém a aprovação de alguma reforma da Previdência este ano no rol das possibilidades reais.

Finalmente, o mercado pode estar entregando a sorte ao próximo presidente, que será um centrista com política econômica liberal e ortodoxa (a denúncia de Palocci contra Lula e a possibilidade de que a candidatura do ex-presidente seja barrada pela Justiça estimulam essa aposta). É óbvio que isso não está garantido e, mesmo supondo que estivesse, é preciso incluir duas premissas adicionais: esse novo presidente (ou nova presidente) fará o que for preciso para equilibrar as contas do País - talvez contando com um novo ambiente político-social mais favorável às reformas, possibilidade tratada nesta coluna na segunda-feira, 11/9 - numa situação agravada por mais um ano e meio em que nada mais será feito; e essa imobilidade até 2019 não provocará nenhuma ruptura do atual equilíbrio macro, com a ajuda da manutenção do cenário internacional excepcionalmente favorável.

Em resumo, existe efetivamente um cardápio de hipóteses otimistas para quem quiser montar cenários que "expliquem" o atual movimento dos mercados. Mas há um ingrediente fundamental que não pode faltar em nenhuma delas, e sobretudo no seu conjunto: muita fé. (fernando.dantas@estadao.com)

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Fernando Dantas é colunista do Broadcast

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 15/9/17, sexta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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