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Economia e políticas públicas

Opinião|O ajuste e a faxina

Brasil vive simultaneamente dois processos difíceis, e que se complicam ainda mais pela sua mútua interação: a tentativa de limpeza ética na política e o ajuste econômico conjuntural e estrutural.

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Atualização:

O Brasil no atual momento histórico é um interessante caso de uma democracia em que estão ocorrendo simultaneamente dois processos que já são extremamente difíceis quando levados a cabo de forma separada.

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O primeiro é um grande ajuste estrutural da economia, combinado à necessidade imperiosa, em termos conjunturais, de por um fim aquela que talvez venha a ser a pior recessão da história econômica documentada. O segundo é um gigantesco processo de saneamento ético das relações entre as esferas pública e privada. Este segundo fenômeno decorre do fortalecimento progressivo e orgânico das instituições de controle e repressão, a partir da sua "incepção" na Constituição de 1988 como entidades autônomas e investidas de fortes poderes.

Uma análise absolutamente simples sobre a concomitância desses dois processos indica o quanto o Brasil tem a ganhar e a perder neste crucial momento histórico.Na hipótese mais otimista, mesmo que aos trancos e barrancos e em meio a fortes turbulências, tanto a reestruturação da economia como a faxina ética da política avançam satisfatoriamente, e, dentro de cinco a dez anos, os brasileiros viverão num país muito melhor do que o atual.

Na pior das hipóteses, os dois processos se entrechocam da pior forma possível, destruindo-se mutuamente. A inviabilidade fiscal estrutural do País não é posta em trajetória de reparação, e o processo de saneamento moral da vida pública, na sua interface com os negócios privados, transforma-se num caos institucional tamanho que acaba desaguando na presidência da algum líder populista com agenda de enfraquecer as múltiplas entidades de controle democrático, da imprensa ao poder judiciário. Este, aliás, é o roteiro que se tem visto em diversos países de renda média problemáticos: Rússia, Turquia, Venezuela e Argentina há até pouco tempo.

Como se vê, a diferença de entre o desfecho mais otimista e o mais pessimista é enorme. E há, é claro, a possibilidade de cenários intermediários, em que o ajuste econômico avança, mas não o saneamento ético, ou vice-versa.

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A mesma análise que vale para o longo prazo também pode ser aplicada ao curto - embora, neste caso, as consequências para o futuro do País sejam bem menos graves. Feita esta ressalva, tudo indica que a permanência de Michel Temer na presidência corresponde à situação em que os dois processos mencionados acima entram em banho-maria.

Do ponto de vista econômico, salvo uma grande surpresa, a parte principal da agenda de reformas ficará paralisada. Já estava sendo extremamente difícil reunir o número de votos garantidos necessários para, com segurança, aprovar a reforma da Previdência em primeiro turno na Câmara de Deputados. Agora, a tarefa ficou ainda muito mais complicada, com o grande enfraquecimento político do presidente Michel Temer.

Do ponto de vista da limpeza da política, a sobrevivência de Temer na presidência sem dúvida nenhuma será usada por todos os múltiplos implicados na operação Lava-Jato como argumento para relativizar os seus próprios malfeitos.

Por outro lado, a tentativa de Temer em permanecer presidente, e seus efeitos negativos tanto sobre o ajuste econômico quanto sobre o saneamento político, tem a vantagem de ser uma situação finita e um equilíbrio instável, que pode ser rompido a qualquer momento. Já o risco de que, depois de todos os inevitáveis solavancos que marcarão a vida econômica e política brasileira a curto e médio prazo, o País fracasse nos dois processos mencionados nesta coluna é muito grave. Seria a pá de cal definitiva no desenvolvimento do País, nas suas dimensões econômica, social e política. (fernando.dantas@estadao.com)

Fernando Dantas é colunista do Broadcast

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Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 22/5/17, segunda-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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