A prisão de Eike Batista deixa o Brasil órfão de modelos de capitalista que possam contrabalançar a visão bastante generalizada de que a acumulação de fortuna é quase sempre fruto da desonestidade.
É verdade que há muitos empresários respeitáveis no Brasil, que construíram grandes empresas e marcas. Mas a postura dos magnatas brasileiros varia normalmente entre a discrição, até por questões de segurança, e um exibicionismo mais ligado ao status social proporcionado pela fortuna do que à ideia de que a acumulação de dinheiro por mérito é algo essencialmente bom para a sociedade - a noção que fundamenta a defesa do sistema capitalista.
Eike, na imagem que dele se tinha antes da implosão econômica - e agora, ética e legal - do seu império era uma certa exceção no panorama descrito acima. Evidentemente, ele nunca foi um "self-made man", no sentido de partir de condições medianas para atingir o mundo dos bilionários. Como filho de Eliezer Batista, um mandarim do capitalismo de Estado brasileiro das décadas de 60 a 80, Eike partiu de uma posição privilegiada para construir seu império.
Mas seu aparente enorme apetite por risco e o ritmo exponencial de crescimento dos seus negócios, especialmente no segundo mandato de Lula, no rastro da descoberta do pré-sal, deram a ele a aura de um verdadeiro herói do capitalismo.
A personalidade de Eike era bastante favorável ao mito que em torno dele foi construído. O empresário era, sim, exibicionista, como fica claro no fato de "decorar" sua sala de estar com um caríssimo carro esportivo. E havia glamour na sua vida pessoal, como o casamento já terminado com Luma de Oliveira, mulher de estonteante beleza.
Ainda assim, comparado com o típico empresário brasileiro que aprecia ostentar sua riqueza, a atitude de Eike era diferente. Ele sempre se manteve como uma pessoa acessível e franca, circulando sem guarda costas pela zona Sul do Rio, eventualmente comendo em lanchonetes frequentadas pelo comum dos mortais.
Dessa forma, o seu exibicionismo e o propalado objetivo de se tornar o homem mais rico do mundo casavam bem com a narrativa de que ele era um exemplo da virtude capitalista de tomar grandes riscos para enriquecer. Eike parecia menos do que outros bilionários brasileiros com o arquétipo do rico arrogante, flutuando num mundo à parte, separado por exércitos de seguranças e uma muralha de empáfia do cidadão comum.
Mesmo agora, no seu momento de maior desgraça, tomou o avião sozinho em Nova York para retornar ao Brasil sem nenhum esquema especial para fugir da exposição pública, deixando-se fotografar em selfies de outros passageiros e digerindo com jogo de cintura críticas e piadas dos passantes.
O grande problema, porém, que fica claro na torrente de denúncias de escândalos, especialmente daqueles que envolvem o ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, é que, em termos de conteúdo, Eike estava muito distante de exemplificar o herói capitalista.
É bom que fique claro que nenhum dos superempresários que fizeram história no Brasil e no mundo foi santo, mas se pode dizer que, de maneira geral, construíram suas fortunas tomando os riscos certos na hora certa no setor privado. Eike, aparentemente, pertence a outro grupo, formados por membros da elite que exploram sua teia de conexões para mobilizar suporte público aos seus interesses privados, com o cálculo de que o anteparo de autoridades cúmplices possa compensar a forma açodada e mal calculada com que os riscos são tomados.
Assim, o que um dia foi vendido como um exemplo edificante de empreendedorismo capitalista não passou de mais um capítulo da longa história brasileira de capitalismo de compadrio. É um desfecho que só faz reforçar a narrativa de que toda a riqueza é fruto da desonestidade. Infelizmente. (fernando.dantas@estadao.com)
Fernando Dantas é colunista do Broadcast
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 301/1/17, segunda-feira.