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Economia e políticas públicas

Opinião|Queda de renda versus inércia

O mercado de trabalho fraqueja e a renda cai velozmente, o que tende a segurar a inflação. Mas ainda resta a inércia.

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Atualização:

A resistência da renda em relação ao mergulho da atividade econômica parece ter sido quebrada nos últimos meses. A grande queda real de 5% da renda média na PME de maio (ante mesmo mês de 2014) pode ser em parte atribuída ao forte salto da inflação corrente, mas há sinais inequívocos de enfraquecimento do mercado de trabalho na desaceleração da renda média nominal, de 7,5% em fevereiro (ante o mesmo mês de 2014) para 3,4% em maio, na mesma base de comparação.

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A grande questão é até que ponto a surpresa negativa na renda pode levar a uma surpresa positiva na inflação. Luiz Fernando Figueiredo, sócio fundador da gestora Mauá Capital, e ex-diretor do BC, acha que o ponto crucial é a inércia. Ele tende a concordar com declarações recentes do diretor de Assuntos Internacionais do BC, Tony Volpon, de que a inércia neste ciclo de aperto monetário possa estar menor do que em ciclos anteriores.

Figueiredo nota que a queda da renda real e a alta do desemprego são dois de vários fatores que, neste ciclo - e ao contrário de anteriores -, estão alinhados com o aperto monetário: o crédito está em desacelerando, seu custo final aumentando e a política fiscal e parafiscal são contracionistas. "Isso amplia o poder da política monetária, embora a economia esteja mais indexada". No balanço, Figueiredo acha que o IPCA de 2016 pode até ficar mais baixo do que a projeção ainda mantida pela Mauá Sekular, de 5,7%, se de fato a tese da queda da inércia estiver correta.

Para José Márcio Camargo, economista-chefe da gestora Opus, "se esse movimento persistir (desaceleração da renda nominal) é sinal de que a renda está reagindo mais rapidamente ao desemprego". Recentes pesquisas do economista Rodrigo Leandro de Moura, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV-Rio), indicam que o atual ajuste do mercado de trabalho pode se dar mais pela renda do que pelo desemprego. A previsão do Ibre é de queda da renda real de 3% em 2015.

Camargo, entretanto, ressalva que é muito cedo para se fiar num impacto amplificado do desemprego sobre a renda (que poderia produzir desinflação com aumento comparativamente menor da desocupação). Ele frisa que, do ponto de vista da política monetária, o aumento do desemprego é um elemento crucial que se correlaciona fortemente com a queda da inflação, especialmente do componente mais resistente e elevado da inflação de serviços.

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Camargo nota que a taxa de desemprego em termos dessazonalizados já vem aumentando desde setembro, uma tendência que é reforçada por indicadores antecedentes da taxa de desocupação, como a relação entre o salário de admissão e de demissão do Caged, que também vem recuando gradativamente. Mas o movimento da renda foi mais drástico, e seria importante esperar para ver se é uma tendência que se confirma.

A queda real do salário não impressiona o economista, que a vê como consequência do salto brusco de três pontos porcentuais na inflação acumulada em 12 meses. Já o recuo do ritmo da alta nominal é visto por ele como um sinal mais importante. Ainda assim, Camargo vê um IPCA acima de 6% em 2016 (depois de 9,6% este ano) e diz que "só um grande desastre levaria a inflação para perto da meta de 4,5%".

Solange Srour, economista-chefe da gestora ARX, também vê uma surpresa na velocidade do recuo da renda, mas coloca o fenômeno no contexto de uma similar surpresa em relação à queda da atividade. "A queda ainda não encontrou um chão, e o poço é mais fundo do que se pensava", ela diz.

A economista observa que as projeções de queda do PIB de 1,5% em 2015 geralmente embutem a visão de que alguma estabilidade, ou até uma possível recuperação, ocorram no terceiro e quarto trimestres, mas não há sinais disso. "Acho que ainda tem chances de um terceiro trimestre negativo e nossa previsão para ano é de queda de 2%", diz. Ela chama a atenção para a continuidade do recuo dos índices de confiança e para a queda do índice de atividade dos gerentes de compra (PMI, em inglês) do setor de serviços no Brasil para 39,9 em junho, a pior leitura da série histórica.

Ainda assim, Solange mantém sua projeção de inflação em 2016 em 5,5% (após 9,4% este ano), mesmo no seu cenário bastante desanimador para a atividade: após a mencionada queda de 2% em 2015, crescimento zero em 2016. Para ela, dado o grau de indexação da economia, "já será uma vitória enorme para o BC chegar a 5,5% em 2016".

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Fernando Rocha, sócio e economista-chefe da gestora JGP, projeta IPCA de 9,5% em 2015 e de 6% em 2016. Mesmo com a desaceleração veloz da renda, que poderia até levá-lo a reduzir um pouco a previsão da inflação para o próximo ano (mas ainda bem distante da meta de 4,5%), ele aponta o empecilho do forte componente inercial, com a inflação acima de 9% em 2015 reajustando o salário mínimo, aluguéis, escolas e diversos outros tipos de serviço no início de 2016. (fernando.dantas@estadao.com)

Fernando Dantas é jornalista da Broadcast

Esta coluna foi publicada pela AE-News/Broadcast em 3/7/15, sexta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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