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Economia e políticas públicas

Opinião|Rio hoje, Brasil amanhã

Recém-lançado livro de Julio Bueno, ex-secretário das Finanças do Rio, e da jornalista Jacqueline Farid, que foi sua assessora, narra o colapso fiscal do Rio de Janeiro do ponto de vista interno do núcleo de gestão financeira do Estado.

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Atualização:

Foi lançado ontem (17/11, sexta-feira) no Rio, com concorrida noite de autógrafos na livraria da Travessa em Ipanema, o livro "Rio em transe - No núcleo da crise", escrito pelo ex-secretário da Fazenda do Rio, Julio Bueno, e pela Jornalista Jacqueline Farid, que atuou como sua assessora de comunicação, e já trabalhou para o grupo Estado.

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É uma narrativa impressionante e assustadora. O livro, na verdade, tem duas partes. A primeira, "A Crise", é escrita apenas por Jacqueline, e a segunda, "Por que Crise", é de autoria somente de Bueno. Na Apresentação, os dois autores explicam, de forma transparente, que optaram por essa fórmula porque "Julio não concorda com tudo o que sua assessora escreve, e vice-versa".

A primeira parte é uma detalhada história da crise financeira do Rio de Janeiro vista de dentro da Secretaria da Fazenda, com todas as emoções, sufocos, sustos, conflitos e luta, com especial destaque para a delicada e conturbada relação com os órgãos de imprensa.

É na segunda parte que Bueno apresenta seu elaborado diagnóstico da crise fluminense, na posição de "capitão do Titanic", uma expressão que gostava de repetir e que aparece diversas vezes no livro. O sentido é de que o secretário conduziu o Estado durante o seu colapso financeiro, mas não se considera responsável pelo "projeto e construção do Titanic", isto é, o arcabouço institucional que, para ele, é a razão profunda do naufrágio.

Bueno foi secretário da Fazenda do Rio entre fevereiro de 2015 e julho de 2016 (governo Pezão), e antes foi secretário de Desenvolvimento Econômico, Energia, Indústria e Serviços do Rio, cargo que ocupou desde 2007, início do governo de Sérgio Cabral.

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Num Estado como o Rio de Janeiro, em que neste momento a cúpula dirigente por muitos e muitos anos, tanto do Executivo quanto do Legislativo, encontra-se presa por acusações de atos quase tresloucados de corrupção, não dá para não se indagar sobre como alguém numa alta posição administrativa, como Bueno, pode não ter percebido o saque ao Erário que grassava por muitos lados.

O livro, naturalmente, aborda essa questão. Bueno sustenta que não conhecia o lado negro da gestão Cabral. De forma significativa, entretanto, fazendo a ressalva de que não há justificativa possível para a corrupção, ele escreve que o governo Cabral "não pode ser avaliado como se estivéssemos operando um aparelho digital, que não admite nuances e somente reconhece zerou ou um, ou tudo ou nada".

Para o ex-secretário, a gestão de Sérgio Cabral, acoplada ao trabalho de Eduardo Paes na Prefeitura do Rio, tem méritos inegáveis em diversas áreas, como segurança (com o programa de UPPs), saúde, mobilidade urbana, administração financeira (o Estado chegou a ganhar investment grade), criação de marcos na paisagem e novos núcleos turísticos e de convivência urbana (o projeto Porto Maravilha), etc.

É sintomático que, no parágrafo seguinte do livro. ele escreva: "Mas tudo ruiu, não apenas no Rio de Janeiro, mas também e, sobretudo, no Brasil".

A visão de Bueno é de que, a partir principalmente de 2015, o Rio desceu do paraíso ao inferno pela combinação de uma depressão econômica de violência inesperada - e que afetou particularmente o Estado, no contexto brasileiro, pela sua dependência do petróleo, não apenas dos royalties, mas também ligada ao impacto da cadeia produtiva do setor na economia fluminense - com uma institucionalidade insustentável do setor público, basicamente ligada a uma Previdência absurdamente deficitária. O livro também narra as duras e por vezes desgastantes negociações do Rio com o governo federal em busca de uma solução para a virtual falência do Estado.

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O ex-secretário rebate a tese de que uma das causas fundamentais na falência do Rio foi a política salarial tida como muito generosa entre 2007 e 2014. Ele defende as contratações de professores e policiais e diz que estas duas categorias têm no Rio rendimentos compatíveis com a média nacional. Mas admite que os aumentos concedidos em meados de 2014, e tidos por muitos analistas como puramente eleitoreiros, embora não tenham sido - na sua visão - uma causa decisiva da crise, foram "indesejáveis sob qualquer aspecto".

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Em resumo, a dramática história narrada por Bueno e Jacqueline pode ser vista como o desdobramento, num estágio um pouco mais avançado, das enfermidades cívicas e políticas que vêm corroendo o Brasil como um todo: instituições fiscalmente suicidas, especialmente na Previdência; uma classe política que combina a arrogância da megalomania com a sordidez da corrupção; e uma sociedade anestesiada por tanta irresponsabilidade e tantos escândalos, com surtos de exasperação frenética e descoordenada, que apenas afundam o País ainda mais no pântano da estagnação e da mediocridade. (fernando.dantas@estadao.com)

Fernando Dantas é colunista do Broadcast

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 17/11/17, sexta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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