Foto do(a) blog

Economia e políticas públicas

Opinião|Sem crescimento não há solução

Por que a crítica de Branko Milanovic, especialista em desigualdade e pobreza de renome mundial, à tese do "decrescimento" é muito útil para o atual debate público brasileiro?

PUBLICIDADE

Foto do author Fernando Dantas
Atualização:

O economista sérvio-americano Branko Milanovic, da City University de Nova York e ex-chefe de pesquisa do Banco Mundial, é um especialista de renome internacional em temas de pobreza e desigualdade.

PUBLICIDADE

Ativo nas redes sociais, Milanovic escreveu há poucos dias um interessante artigo sobre a bandeira política do "decrescimento" econômico, motivado por discussões que teve com seus seguidores no Twitter.

O decrescimento é a tese de que o crescimento econômico deveria ser, no mínimo, contido e congelado (para não dizer revertido). Pode haver inúmeras motivações para defender o decrescimento, inclusive de natureza filosófica e espiritual, mas o principal argumento é a necessidade de evitar uma possível catástrofe climática pelo aquecimento global.

Milanovic apresentou em seu artigo uma série de contas básicas para mostrar o absurdo da ideia do decrescimento no mundo atual, considerando o estágio de desenvolvimento econômico médio global.

O economista começa notando que "dessas conversas (com os defensores do decrescimento) eu fiquei com a impressão de que eles não estavam cientes sobre quão desigual e pobre (sim, pobre) o mundo é hoje (...)".

Publicidade

São muitos os números e exemplos contrafactuais que o pesquisador utiliza para demonstrar o seu ponto. Talvez o melhor resumo seja de que, para nivelar o mundo num mesmo nível de renda geral e mantendo o PIB total de hoje seria preciso reduzir em quase dois terços a renda dos 27% mais ricos - o que inclui toda a classe média do mundo avançado e muito mais.

Milanovic segue explorando as implicações econômicas, sociais e até éticas do seu exercício contrafactual para estabelecer de forma mais categórica o absurdo do decrescimento.

Mas é possível resumir de forma simples o que ele quer dizer: interromper o crescimento econômico implica manter grandes parcelas da população global para sempre na "pobreza abjeta" (sua expressão), já que é inconcebível politicamente que a parcela da humanidade mais rica, e, portanto, mais poderosa, vá apoiar um programa que vai reduzir o seu padrão de vida a um nível de distantes antepassados.

No Brasil não existe a discussão do decrescimento fora de algumas poucas tribos delirantes da esquerda, que sonham em transformar o País enquanto sorvem cerveja nos bairros e praças descolados das zonas nobres metropolitanas.

Entretanto, a discussão trazida por Milanovic é, sim, útil para o debate brasileiro. Já numa matéria publicada em março de 2016 pelo Estadão, numa colaboração especial da jornalista Lúcia Guimarães, o economista dizia que "sem crescer, não dá para atacar a desigualdade", referindo-se aos países pobres e de renda média.

Publicidade

Como observado acima, ninguém relevante no Brasil defende "parar de crescer", mas, por outro lado, a intelligentsia nacional parece estranhamente anestesiada diante da catástrofe em câmara lenta, já em curso, de que o Brasil parou de crescer em termos relativos - isto é, crescer mais que o benchmark do crescimento do mundo avançado, de tal forma a convergir para este padrão - desde o início dos anos 80.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

De certa forma, boa parte da elite pensante trata o Brasil como os "decrescimentistas" da Europa ocidental tratam o mundo, com a diferença de que o que lá é explícito aqui é implícito. Em ambos os casos, a ideia de crescimento foi abandonada ou relegada ao fim da lista de prioridades, sendo substituída pelas bandeiras ambientais ou pela extensa agenda de temas da "guerra cultural" entre direita e esquerda e pelas questões identitárias e de direitos de minorias.

Se pode haver ou não ensino religioso nas escolas públicas parece ser uma questão muito mais urgente e dramática para parcela da nossa intelectualidade do que o que fazer para que os trabalhadores pobres aumentem a sua produtividade.

É como se o Brasil (e outros países latino-americanos capturados pela armadilha da renda média, diga-se de passagem) compartilhassem com as nações avançadas uma mesma esfera de visão de mundo - visão esta da qual decorre uma agenda que faz todo o sentido para países que já resolveram o problema de prover um nível digno e confortável de vida para a maioria da sua população, mas que faz muito menos sentido, se colocada como suprema prioridade, para nações pobres e de renda média que estão longe de chegarem lá.

Os países asiáticos que crescem aceleradamente, em contraste, mesmo que em diversos casos compartilhando em maior ou menor grau a agenda identitária e de direitos do Ocidente, parecem possuir uma cultura própria, com raízes possivelmente milenares, que valoriza o dever, a disciplina, a poupança, o estudo e o trabalho. É sem dúvida uma matriz cultural mais compatível com esforço do desenvolvimento na sua etapa mais difícil - da renda média para a avançada - e, diga-se de passagem, mais parecida com os valores vitorianos que eram fortes no núcleo europeu do mundo avançado quanto esta região do mundo fazia seu pioneiro take-off.

Publicidade

O mais irônico, porém, é que, sem desenvolvimento econômico, o Brasil não conseguirá dar os passos civilizatórios fundamentais para que avancem a agenda identitária e de direitos, tão prezada pela intelligentsia, e até a urgente agenda ambiental. No caos econômico, social, político e institucional de um país desigual, violento e estagnado de Terceiro Mundo, a tendência é de que aumentem a radicalização, a captura do Estado e a deterioração generalizada.

Milanovic tem razão. A prioridade máxima de todos que se preocupam com o Brasil (e com outros países presos na armadilha da renda média) deveria ser a retomada do desenvolvimento econômico sustentado. (fernando.dantas@estadao.com)

Fernando Dantas é colunista do Broadcast

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 21/11/17, terça-feira.

Opinião por Fernando Dantas
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.