A confortável vitória de Emmanuel Macron nas eleições francesas mostra que o centro cosmopolita e globalista está menos acuado pelos extremismos de esquerda e de direita do que as análises mais alarmistas fariam supor após a vitória do Brexit e a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos. Na Europa continental, os extremistas foram convicentemente derrotados em três eleições consecutivas: Áustria, Holanda e França. Eram prematuros os vaticínios de morte iminente da integração europeia.
Na verdade, é possível ser ainda mais otimista. A experiência histórica e estudos acadêmicos indicam que o extremismo cresce na esteira das grandes crises econômicas, como a da década de 30 e aquela iniciada em 2008 e 2009. Hoje, porém, os Estados Unidos já estão relativamente engrenados na recuperação e os sinais da Europa vêm melhorando consistentemente, inclusive com a retomada em alguns dos países mais afetados, como Espanha e Portugal. Em outras palavras, o ápice da janela de oportunidade eleitoral para radicais de esquerda e de direita pode já ter ficado para trás.
Nos Estados Unidos, aliás, também parece que, apesar das periódicas explosões de retórica inflamada de Trump, seu governo está pendendo para o conservadorismo mais tradicional do Partido Republicano em diversas áreas de política pública. No Reino Unido, finalmente, a premiê Thereza May está conduzindo o Brexit de forma pragmática, e sua popularidade em alta atesta que as correntes mais extremistas conseguiram a saída da União Europeia (UE), mas não conquistaram o poder.
E no Brasil? Aqui, há o fator peculiar da Lava-Jato, que está devastando os partidos políticos tradicionais. E há também a tradição latino-americana de força da esquerda populista, que agora parece estar canalizada para a duvidosa (em termos legais) candidatura em 2018 do ex-presidente Lula.
Ao endossar propostas de política econômica que ressuscitam a nova matriz econômica, Lula deu um claro sinal de que o espaço que quer ocupar é o do populismo. Não importa tanto se, caso seja eleito, o ex-presidente vai ter uma política econômica ao estilo de Mantega ou de Palocci. Faz parte do repertório do populismo latino-americano semear a confusão ideológica e oportunisticamente - e geralmente com foco no curto prazo - trocar a orientação da política econômica como se troca de roupa.
Lula, portanto, pelo seu carisma e por particularidades do eleitorado de esquerda e populista, se mantém como o único presidenciável atingido pela Lava-Jato que preserva em alta seu cacife eleitoral. Os chefes tucanos, Alckmin, Serra e Aécio, em maior ou menor grau foram duramente atingidos pelas denúncias de corrupção - e, possivelmente, pela sua proximidade com o impopular governo Temer - e estão vendo se esvair sua viabilidade eleitoral para 2018.
Nesse contexto, surgem novas lideranças de fora da política, que são cogitadas como possíveis candidatos para o próximo ano. O nome mais em evidência é o de João Doria, prefeito de São Paulo. Outras possibilidades são mais especulativas, como a do apresentador Luciano Huck.
Existe uma visão, que combina os destroços da cena política tradicional brasileira, o surgimento de extremistas caricatos, como Jair Bolsonaro, e eventos internacionais como a eleição de Trump e o Brexit, pela qual o "novo" na política brasileira virá na forma de um aventureiro populista.
Essa ideia, entretanto, não leva em conta que as placas tectônicas da política estão continuamente se movendo. Se há poucos meses o populismo no estilo de Trump parecia uma estratégia deplorável, porém viável e eficaz, para se chegar ao poder no atual mundo conturbado, a eleição de Macron indica que ainda há bastante apelo a ser explorado no caminho centrista e cosmopolita.
A noção de que as massas populares são necessariamente nativistas e protecionistas, e apenas as elites cultivam os valores liberais e internacionalistas é bem menos evidente do que parece aos mais alarmistas. Um potencial candidato à presidência, como Doria, deveria estar neste momento olhando mais para Macron do que para Trump, ao pensar sua estratégia para entrar no jogo presidencial. (fernando.dantas@estadao.com)
Fernando Dantas é colunista do Broadcast
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 9/5/17, segunda-feira.