Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central e apontado como um dos favoritos para ocupar o Ministério da Fazenda num eventual governo Temer, é descrito por ex-colaboradores como um executivo de alta competência, que sabe montar boas equipes, escolhendo as pessoas certas para os lugares certos. Outra característica do atual presidente do Conselho da J&F - holding do gigante de carnes e outros setores, que comprou recentemente as Havaianas - é a de dar autonomia para os profissionais sob o seu comando, fixando objetivos gerais, mas delegando as tarefas para atingi-los.
Essas características podem ajudar Meirelles num dos desafios cruciais do novo governo, que é o de atrair quadros de qualidade, especialmente para os postos da equipe econômica. A devastadora crise político-econômica, a dependência crucial do ajuste na passagem de medidas antipopulares no Congresso e o risco de a Lava-Jato atingir figuras centrais do novo governo e até Temer fazem qualquer um pensar muitas vezes antes de entrar no barco.
Arminio Fraga, que declinou do convite para o Ministério da Fazenda, tem motivos diferentes para não ir - e inclusive acha bom que o novo ministro tenha experiência e habilidade no jogo político, algo que não é a característica mais saliente do seu ilustre currículo de homem público. Ainda assim, os melhores quadros da área econômica que hoje não estão no governo devem enxergar a escolha de Arminio de ficar de fora como um sinal de que o barco não é dos mais seguros.
Meirelles, porém, talvez seja um dos nomes mais em condições de vencer resistências, exatamente pelo seu currículo de bom executivo e por seu método de trabalho. Saber que estará cercado por pessoas competentes e terá liberdade de trabalhar é um forte atrativo para quem for convidado pelo ex-presidente do Banco Central.
Um possível ponto duvidoso de Meirelles é que ele costuma ter agendas próprias, ligadas à atividade política, o que é perfeitamente legítimo, mas pode eventualmente provocar ruídos nas percepções sobre a condução da política econômica. Basta dizer que até hoje se discute se a perspectiva de ser vice-presidente na chapa de Dilma Rousseff na primeira eleição da atual presidente teria levado Meirelles a suavizar a política monetária no final do governo Lula.
Na verdade, se essa hipótese é verdadeira ou não talvez não seja o xis da questão. Num momento em que recuperar a confiança e resgatar a credibilidade da política econômica são partes centrais da tarefa do novo ministro, é preciso não só que Meirelles seja invulnerável à tentação de politizar sua gestão econômica, mas também que assim pareça, como no ditado sobre a virtude e a mulher de César.
Não é uma tarefa impossível. Dado o furor da crise, e sendo reconhecidamente uma pessoa muito inteligente, o ex-presidente do BC sabe que o sucesso em tirar o país da crise é fundamental para qualquer ambição posterior. E sabe também que, para atingir este sucesso, ele deve colocar a atual missão à frente da ambição posterior. Como fazê-lo dependerá da sua engenhosidade em termos de comunicação. Mas a lição de que sua bem-sucedida passagem pelo BC ficou ligeiramente tisnada pela dúvida acerca do último ano deve ser cuidadosamente considerada por Meirelles, caso venha a ser ministro da Fazenda.
De qualquer maneira, o fato de que Fernando Henrique Cardoso tenha saído da Fazenda, após o plano Real, para a presidência indica que dá para combinar gestão e ambição se os devidos cuidados forem tomados.
Um ponto fundamental para que Meirelles na Fazenda amplie suas chances de sucesso é o de nomear - ou ao menos ter o poder de vetar - os escolhidos para a presidência dos bancos públicos. É sabido que essas instituições tiveram um papel relevante no descarrilamento da política fiscal nos últimos anos, e o novo chefe da equipe econômica deve ter autoridade plena para controlá-las.
Meirelles terá que ser extremamente criterioso para evitar qualquer conflito de interesses - ou sua aparência - em relação ao seu posto atual na J&S, que foi objeto de grandes financiamentos pelos bancos públicos.
Uma questão adicional é o Banco Central. Temer teria dito, segundo relato de Jorge Bastos Moreno, de O Globo, que Meirelles poderia indicar o presidente do BC. Isso não representa perigo para a autonomia da autoridade monetária se Meirelles mantiver sua postura histórica favorável a este princípio. Consta inclusive que ele defende a ideia de tentar dar autonomia formal ao BC.
Além disso, Meirelles, quando presidiu o BC, montou uma equipe de alto gabarito, que até hoje tem grande prestígio no mercado financeiro (para onde a maioria se encaminhou) e entre economistas acadêmicos. É um pool de nomes do qual o ex-presidente do BC pode facilmente pinçar um profissional ou uma boa indicação para a chefia da política monetária. O fato de já ter trabalhado de forma bem-sucedida com essas pessoas ajuda não só no convite, mas também na futura relação do BC e da Fazenda, que não pode ser de submissão, mas a que tampouco deve faltar harmonia nas diretrizes básicas.
E há, finalmente, o propalado talento de bom negociador de Meirelles. Este é um ponto a verificar. Sua atuação na vida pública até hoje foi basicamente a de presidente do BC, um cargo eminentemente técnico. Arrancar reformas pró-austeridade do Congresso é uma conversa bem diferente. Mas, pelo desenho que se configura do novo governo, ele não estará sozinho nesta tarefa, e talvez nem seja o principal responsável por ela. Mas terá que ajudar. Meirelles comunica-se de forma didática e convincente, talento que desenvolveu na sua carreira de executivo. Resta saber se ele tem também o dom de conquistar o ouvido da classe política.
Fernando Dantas é jornalista do Broadcast
Esta coluna foi publicada pela AE-News/Broadcast em 27/4/16, quarta-feira.