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Sempre há um caminho pelo meio

A crise econômica e a antiga equipe de Dilma

A primeira entrevista de um integrante da equipe econômica do primeiro mandato de Dilma: como Márcio Holland vê a crise atual, as suas sugestões e sua reação às análises de que houve herança maldita de Dilma 1 para Dilma 2

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Por João Villaverde
Atualização:

Márcio Holland, ex-secretário de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda. Foto: Estadão

 

A atual crise econômica não era prevista nem pelo mais pessimista dos analistas do setor privado no ano passado. A avaliação é do economista Márcio Holland, que foi secretário de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda durante todo o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. Na primeira entrevista de um integrante da direção da equipe econômica que foi substituída pelo time de Joaquim Levy em janeiro deste ano, Holland citou ao blog uma série de dados para comprovar duas teses: que a política econômica conduzida pelo governo Dilma no primeiro mandato fazia sentido e que cumpria os objetivos de redução da dívida pública e manutenção dos investimentos; e que a forte recessão que começou em 2014 não era possível de ser antecipada.

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"É muito difícil perceber uma redução da efetividade da política fiscal como política anticíclica enquanto esse processo ocorre", disse ele. Embora próximo de Guido Mantega, o antigo SPE não tinha poder de decisão sobre liberação de gastos e condução fiscal, como outro braço direito do antigo ministro, o ex-secretário do Tesouro, Arno Augustin. Questionado sobre as pedaladas fiscais, que complicam justamente Mantega e Augustin - além da própria Dilma - em processo dramático no Tribunal de Contas da União (TCU) com repercussões no Congresso Nacional, Holland ressaltou que não tinha envolvimento e que "tem tranquilidade para acreditar que todos os atos do Tesouro foram legais".

Professor da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP), com pós-doutorado pela Universidade de Berkeley (EUA), Holland defende que o governo Dilma faça um "corte severo e profundo" nas despesas federais, com mudanças legais nas regras da Previdência Social, além de medidas emergenciais, como o parcelamento do reajuste do salário mínimo em 2016, que será próximo a 10%. Ele critica o que chama de "hesitação" do governo em decidir entre um ajuste fiscal mais forte ou novos estímulos ao crescimento e diz que o governo ainda pode evitar o rebaixamento da nota pelas demais agências (Moody's e Fitch). "É fácil falar de fora do governo, eu sei, mas é com a pressão das ideias de fora que o governo pode ser ajudado. Então digo: façam o ajuste fiscal mais forte".

Leia, abaixo, a entrevista exclusiva concedida por Holland ao blog:

Como explicar essa mudança drástica de humor na economia? Havia entusiasmo até 2013, 2014 e hoje o clima é muito ruim, com indicadores ruins em todos os lados: inflação, recessão, taxa de investimentos, confiança de empresários e consumidores... o que aconteceu?Holland: Tem um diagnóstico que precisa ser feito: há dificuldade de fechar o Orçamento e isso não só acontece em 2015, mas também em 2016. Já tinha acontecido em 2014, quando o ano terminou com déficit primário. Estamos passando por processo de desaceleração muito acelerada, muito apressada. Isso é um fenômeno que não era previsto nem pelo mais pessimista dos analistas no ano passado.

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Mas o debate sobre a exaustão da política de estímulos ao consumo já estava colocado em 2013, não? Economistas apontavam que o haveria uma necessidade de ajuste fiscal, certo? Holland: Esse fenômeno não poderia ser previsto, reforço. Em janeiro de 2014, o boletim Focus, do Banco Central, mostrava que os analistas do mercado financeiro previam uma alta de 2% do PIB, em média, para 2014. Foi de apenas 0,1%. Quando fechamos o Orçamento de 2015, no fim do ano passado, usamos uma previsão média de crescimento de 0,8%, baseada nas estimativas do mercado. Ninguém naquele momento imaginava que 2015 caminharia para uma recessão da ordem de 3% e mais uma queda em 2016, de 1%. Essa desaceleração precisa ser discutida. Ela está provocando uma enorme frustração da arrecadação.

A oposição e mesmo setores do governo dizem que o governo Dilma 2 tem uma herança maldita de Dilma 1. Como figura expoente de Dilma 1, como o senhor reage a isso?Holland: Vamos voltar um pouco no tempo. Em 2011, primeiro ano do primeiro mandato da presidente Dilma, nós fizemos um forte superávit primário, de 3,1% do PIB. Foi bem forte. É bom lembrar que, por conta disso, tivemos um upgrade no fim daquele ano: a Standard & Poor's aumentou a nota brasileira em novembro de 2011. De 2012 para 2013 houve agravamento da crise internacional, então houve avaliação de reativação de políticas anticíclicas no governo. Havia espaço fiscal para isso. Nas reuniões do FMI que participamos, como o fórum fiscal e as reuniões de primavera, os recados eram para que todos os países com espaço fiscal deveriam usá-lo. Era o caso do Brasil. Não fomos exceção a regra. Até o fim de 2013, a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF, indicador da taxa de investimentos no Brasil) estava em torno de 20,5% do PIB. A taxa de desemprego caindo rapidamente, com o País gerando um milhão de empregos formais. Houve a partir de 2012 uma piora internacional, com uma crise muito séria na área do euro e o governo entendeu ser necessário blindar o País do contágio internacional. Essa segunda parte das políticas anticíclicas tiveram uma exaustão muito rápida. Elas cumpriram seu papel, mas se esgotaram muito rapidamente. O problema principal veio de 2013 para 2014.

Como assim?Holland: Todos esperavam que o segundo semestre do ano passado seria muito melhor do que o começo do ano, mas foi o contrário. Como há efeito defasado, somente foi possível ter ciência muito no fim do ano. Na realidade a economia já está mal desde o segundo semestre de 2014, quando houve uma queda muito acelerada. Até aquele momento, havia equilíbrio. Então houve uma queda da atividade e, ao mesmo tempo, o espaço fiscal para fazer política anticíclica acabou. Minha visão de política econômica está baseada em uma frase do ex-ministro Delfim Netto: com uma boa política fiscal se faz uma boa política econômica, porque reduz o risco País, melhora a captação de recursos no exterior e a dívida pública bruta cai. Foi o que ocorreu até o fim de 2013, ainda que o superávit primário estivesse, já naquele momento, com o uso de receitas não-recorrentes.

Mas somente no fim de 2014 foi possível perceber a forte piora do cenário?Holland: É muito difícil perceber uma redução da efetividade da política fiscal como política anticíclica enquanto acontece um processo desses.

A equipe antiga, que deixou os cargos em janeiro de 2015 com o início do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, é marcada pelas "pedaladas fiscais", um possível crime de responsabilidade fiscal. Foram ações do Tesouro Nacional e do Ministério da Fazenda. Que avaliação o senhor faz?Holland: Minha avaliação é muito simples e objetiva: tenho tranquilidade para acreditar que todos os atos do Tesouro foram legais.

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O governo entra em outubro com uma negociação sensível no Congresso, do pacote fiscal, e com o julgamento no TCU das contas de 2014, com as pedaladas. Como recuperar a confiança dos empresários e dos consumidores num quadro como esse?Holland: Não vejo outra orientação de política econômica que não a de fazer o ajuste logo. As concessões dependem disso. Também o processo de flexibilização da política monetária depende disso. É preciso obter resultados fiscais com severos cortes de gastos. Não sou cientista político, mas é fundamental procurar blindar a economia, que foi muito comprometida pela crise política, pela Lava Jato, muitos fenômenos externos que afetam a política econômica. É fundamental tomarmos decisão pelo ajuste fiscal. Em muitos casos, a austeridade faz voltar a popularidade. A demonstração de descontrole, a percepção disso, reduz a popularidade. A demonstração de controle traz popularidade.

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As medidas que o governo tem tomado serão suficientes para evitar um novo rebaixamento da nota de crédito?

Holland: Entramos em setembro de 2015 com um fator claro: a hesitação. Há uma postergação de fazer um ajuste fiscal necessário, o que está levando o País a uma situação de insegurança, a ponto de ter downgrade e caminhar para novos downgrades. Isso também está provocando muito ruído. A economia já tem deterioração, que provoca queda de arrecadação e gastos continuam subindo porque tem uma estrutura que precisa ser revista.

O que o sr. sugere?Holland: É preciso uma desindexação do salário mínimo, que corrige uma série de benefícios federais automaticamente. Uma reforma da Previdência é urgente, também. O déficit previdenciário sairá de R$ 56 bilhões, em 2014, para quase R$ 120 bilhões no ano que vem. São medidas, no entanto, que precisam passar pelo Congresso. Esse cenário atual, de fragilidade política do governo num ambiente de baixa popularidade, dificulta muito o ajuste fiscal ideal, que precisa ser feito o mais rapidamente possível. O governo precisa ter uma definição muito clara da prioridade macroeconômica do momento, que é a recuperação do superávit primário de forma recorrente. Se não, vai prolongar esse clima atual.

Um grupo de economistas avalia que o governo não deveria fazer o ajuste fiscal, mas, ao contrário, estimular a economia, como forma de gerar crescimento, o que aumentaria a arrecadação e, consequentemente, melhoraria o quadro fiscal. O que o sr. acha disso?Holland: Qualquer tentativa de estímulo econômico não será efetivo agora. Não adianta estimular o crédito porque não há demanda por crédito. Não adianta estimular o consumo porque não há consumo. É hora de fazer uma grande concertação das finanças públicas, principalmente sobre as despesas federais. Do último pacote apenas 10% foi um corte efetivo dos gastos. O restante, como adiamento do reajuste de servidores, de janeiro para agosto, ou o remanejamento de fonte de recursos para PAC e Minha Casa, Minha Vida, não é propriamente corte de gastos. Uma desindexação do salário mínimo de benefícios seria um corte de gastos necessário agora. Não desconsidero também a hipótese de reajuste parcial do salário mínimo, que no ano que vem terá um reajuste muito alto, de quase 10%. Um corte no pagamento de funções comissionadas, de 20, 30%. Observo que muitos ministérios terão majoração de orçamento em 2016 sobre 2015. Talvez fosse o caso de adiar uma série de iniciativas. O Minha Casa, Minha Vida 3 é outro programa que pode ser adiado. O ajuste de 2015 foi adiado para 2016, então ele precisa ser realmente feito em 2016. A equipe econômica está fazendo o máximo, eu sei. Entendo também as dificuldades para se realizar o ajuste ideal. Mas há fatos inquestionáveis: mesmo que todo o pacote de R$ 64,9 bilhões da última semana seja integralmente aprovado pelo Congresso, mesmo que dê certo, o superávit primário de 0,7% do PIB no ano que vem não será atingido.

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Mas como fazer? Os eleitores que reelegeram a presidente Dilma Rousseff apostaram em algo muito diferente de um duro ajuste fiscal. Aqueles que votaram na oposição não aceitam as medidas do governo e o Congresso está conflagrado.Holland: A sociedade precisa entender que é preciso uma correção nas despesas do governo na Previdência. Esse tipo de ajuste tem, inegavelmente, um efeito recessivo no curto prazo, mas logo se recupera a economia como um todo. O fator da confiança é fundamental para se sentirem seguros a investir no Brasil. Não vejo sentido nessa hesitação entre provocar estímulos ao crescimento e realizar um novo ajuste. O jogo não está perdido: o anúncio do último pacote, por mais que tenha medidas que dependem de Congresso,é cheio de virtudes. Ele recoloca de novo a necessidade de gerar superávits primários no ano que vem, mas poderia ter demonstrado corte na carne efetivo. Eu sei que é mais fácil falar, mas quem está fora do governo tem que dizer: "vai, façam", para ajudar quem está dentro do governo. Digo isso: recuperem o superávit primário do País. Nossa dívida é alta, está crescendo de forma muito acentuada. O simples deslocamento da Selic nos últimos anos encurtou a dívida e aumentou déficit nominal em 8% do PIB. Quanto mais a economia contrai, maior é o superávit primário requerido para estabilizar a dívida. Por isso que o corte via gastos é mais objetivo, mais efetivo: quando aumenta tributos, você aumenta preços.

Uma das primeiras medidas do ministro Joaquim Levy foi a reversão das desonerações da folha de pagamentos. Esse estímulo tinha sido uma das principais bandeiras do primeiro mandato da presidente Dilma, uma medida que o senhor trabalhou. Como o sr. vê essa reversão?Holland: Levy foi muito pertinente. Ele deu início a discussão da desoneração da folha, uma medida muito importante de política econômica anticíclica, mas que já estava no processo de exaustão. Foi uma decisão adequada, correta. Não vejo problema nenhum nisso. O que eu acho é que a medida que o ano foi passando foi ficando necessário mais medidas de cortes de gastos, que não vieram ainda.

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