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Sempre há um caminho pelo meio

A reforma que já deveria ter ocorrido

Nesta semana, a presidente Dilma Rousseff vai atualizar todas as projeções oficiais do governo para 2015. O governo continuará sustentando uma meta fiscal fora da realidade? Continuará inflando as receitas?

Por João Villaverde
Atualização:

O governo Dilma Rousseff está prestes a editar o novo relatório de programação orçamentária e financeira. O documento vai trazer as previsões atualizadas para o desempenho da economia (o PIB), da inflação, e quanto o governo espera de receitas e despesas até o fim de 2015.

Este é um documento importante para funcionamento do Estado, apesar de, nos últimos dois anos, ter sido sistematicamente maquiado por projeções irreais da antiga equipe econômica. A nova equipe, atual, vai efetivamente romper com as previsões irreais que mancharam a credibilidade da política econômica do governo?

Ministros Joaquim Levy (Fazenda) e Nelson Barbosa (Planejamento). Crédito: André Coelho, O Globo Foto: Estadão

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Como sabe o leitor cá do blog, o governo fez uma projeção excessivamente otimista para o desempenho das receitas há dois meses, quando atualizou o Orçamento deste ano com o decreto de programação financeira. As receitas estavam cerca de R$ 40 bilhões maiores do que a realidade exigia naquele momento. Agora, o governo deve reduzir ainda mais sua projeção para o PIB deste ano (está em -1,2% e pode ir agora até -2%). Com isso, menos receitas serão esperadas, mesmo contando com receitas extraordinárias.

Com isso, o governo também terá que apresentar alguma forma factível de dizer ao mercado que a meta fiscal deste ano, de R$ 66,3 bilhões (ou 1,1% do PIB) será alcançada. Praticamente ninguém, hoje, acredita que chegará. Os economistas de bancos e consultorias e também os especialistas em contas públicas apostam que o governo terá dificuldades inclusive para atingir a metade da meta atual, isto é, algo como 0,55% do PIB. Os técnicos do próprio governo sabem que a meta dificilmente será atingida.

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, é contrário a uma redução da meta fiscal. Ele entende que a redução da meta seria percebido pelo conjunto do governo como um "relaxamento" do ajuste, que é possível, agora, gastar mais. Já o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, avalia que o governo deveria instituir uma "banda fiscal", semelhante à que existe para a inflação. Haveria uma meta - como a atual, de 1,1% do PIB - e uma banda que estabelecesse uma margem de tolerância, para cima e para baixo. Esta última proposta é semelhante à apresentada por aqui recentemente pela economista Laura Carvalho.

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O blog traz abaixo uma visão diferente. O economista Sérgio Gobetti, doutor em economia pela UnB e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), defende a instituição de um regime fiscal novo, chamado de "estrutural", com ajustes ao ciclo econômico.

O debate é extremamente saudável neste momento.

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A reforma que já deveria ter ocorrido

Por Sérgio Gobetti

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Há três anos anos o economista Ilan Goldfajn utilizou uma interessante metáfora futebolística para contrapor o senso comum que se apresentava diante de qualquer proposta de inovação no front fiscal. "Em time que está ganhando não se mexe, mas o que não se mexe também não evolui", disse, em resumo, o economista, ao defender uma mudança no regime fiscal brasileiro, com a adoção de metas de resultado estrutural ajustadas ao ciclo econômico, como ocorre na União Europeia.

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A evolução dos indicadores fiscais entre 2011 e 2014 mostra que a situação das contas públicas (o resultado do time) piorou substancialmente desde então e que a reforma do regime fiscal, que antes era opção, agora é uma imposição da realidade. Mas que reforma é esta? Do nosso ponto de vista, passa por dois pontos fundamentais: estabelecer uma regra de resultado primário que seja, ao mesmo tempo, transparente e flexível o suficiente para lidar com as intempéries econômicas e adotar medidas estruturais - ao  nível das receitas e despesas - que garantam que a regra seja viável e não caia no descrédito.

Em relação ao primeiro ponto, não há dúvida de que a melhor regra hoje experimentada no mundo é a das metas ajustadas ao ciclo econômico. Esse tipo de regra é derivada da constatação de que os resultados fiscais são afetados pelo ritmo de crescimento econômico: em resumo, as receitas crescem mais do que o PIB nas fases ascendentes do ciclo econômico e caem mais (ou crescem menos) do que o PIB nas fases descendentes.

No caso do Brasil, por exemplo, os estudos indicam que a receita cresce ou cai cerca de 0,3 pontos porcentuais do PIB para cada um ponto a mais ou a menos de crescimento da economia. Digamos que a meta de superávit primário tenha sido fixada em 1,2% do PIB esperando que a economia crescesse 2%. Se a economia crescer 0%, é muito provável que o resultado será de apenas 0,6% do PIB se o governo não reduzir a despesa para compensar a queda na receita.

Na prática, uma meta rígida (não ajustada ao ciclo) estimula o governo a gastar mais do que precisa nos tempos de "vacas gordas" e, ao contrário, nas recessões, obriga o governo a cortar investimentos ou a recorrer a manobras fiscais para cumprir a meta. Tanto em um caso, quanto em outro, esse tipo de política é ruim para a economia porque acentua - em vez de amenizar - o ciclo econômico.

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Por isso, os países europeus adotam há vários anos metas ajustadas ao ciclo. A meta de lá é restringir o déficit nominal estrutural a 0,5% do PIB. Na prática, é claro, nunca um país obterá um déficit ajustado exatamente igual a 0,5% do PIB. A Alemanha, por exemplo, criou uma conta na qual são "depositados" os excessos ou frustrações da meta: a ideia é de que os resultados abaixo da meta sejam compensados nos anos seguintes por resultados acima da meta, mas existe um teto de 1,5% do PIB para o acúmulo de desvios negativos da meta.

Na prática, esse sistema equivale a uma espécie de banda para os resultados fiscais, mas aplicada aos resultados já ajustados ao ciclo e não aos resultados normais. Embora mais complexo, o ajustamento ao ciclo tende a controlar melhor a margem de discricionariedade da política fiscal do que as bandas simples, que podem ser utilizadas de modo pró-cíclico.

No caso brasileiro, o regime atual, em que o governo fixa uma meta rígida com oito meses de antecedência ao início do ano orçamentário, sem ter a menor condição de saber como estarão as condições da economia, é totalmente inadequado. Mudá-lo e adaptá-lo às melhores práticas internacionais seria um avanço importante.

Contudo, por melhor que seja a nova regra, ela não será viável se a dinâmica quase inercial de parte da despesa não for controlada e, principalmente, se a taxa média de crescimento econômico não for elevada. Isso por um simples motivo: os benefícios sociais, que hoje consomem 50% da despesa primária do governo federal, crescem sistematicamente acima do PIB e não apenas pelo critério de reajuste do salário mínimo, mas principalmente pela taxa de crescimento da quantidade de beneficiários da seguridade social, que tem sido de 3,9% em média ao ano desde 2004.

Portanto, a única forma de pretender estabilizar essa despesa é fazer a economia crescer próximo de 4% ao ano e promover ajustes nas regras de reajuste ou concessão dos benefícios que tornem sustentável o Estado de bem estar social. Revisões de subsídios e aumentos localizados de carga tributária - como sobre lucros e dividendos - podem introduzir mais justiça fiscal e ajudar a recolocar o resultado primário num patamar adequado, mas não garantirão que esse superávit se sustente no tempo se a despesa com benefícios continuar crescendo acima do PIB.

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O grande problema - econômico e político - é como promover ajustes dessa natureza em plena recessão, quando os conflitos distributivos se acentuam e quando propostas de reforma podem ser vistas como (e, em alguns casos, podem efetivamente se tornar) ameaça a direitos sociais. Nesse caso, a prioridade deveria ser modernizar de imediato nosso regime de metas fiscais e restabelecer o crescimento, porque nada afeta tão negativamente os indicadores fiscais quanto um PIB se contraindo. E uma economia crescendo restabelece um ambiente mais propício às reformas que precisamos para dar sustentabilidade ao equilíbrio macroeconômico e fiscal.

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O que fará o governo nos próximos dias?

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