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Sempre há um caminho pelo meio

As pressões sobre Dilma

O que aguarda o governo federal no segundo semestre de 2015?

Por João Villaverde
Atualização:

A presidente Dilma Rousseff. Foto: Estadão

Começa julho, segundo semestre do ano, e aqui em Brasília a ansiedade no governo é tremenda. A presidente Dilma Rousseff está sob intensa pressão política de todos os lados. Vamos tentar entender a origem dessas pressões para, assim, dimensionar os desafios para a economia brasileira para o segundo semestre.

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Em resumo:

1) Há pressão por parte do Partido dos Trabalhadores, o PT, partido de Dilma. Essa pressão é somada aquela exercida pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Engana-se quem pensa que as pressões do PT e de Lula sobre Dilma são as mesmas: elas são parecidas, mas não iguais.

2) Há também a pressão do mundo político tradicional de Brasília, personificado mais do que nunca pelo PMDB, que ocupa a vice-presidência da República (Michel Temer), a presidência da Câmara dos Deputados (Eduardo Cunha), e a presidência do Senado (Renan Calheiros).

3) Há a pressão da oposição, liderada pelo PSDB, mas que também conta com movimentos sociais de direita, que surgiram desde as manifestações de 2013.. Essa pressão é mais difusa e pula de canoa em canoa, seja ela a Operação Lava-Jato ou o drama das "pedaladas fiscais".

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4) Há a pressão da esquerda, que vê um claro estelionato eleitoral por parte de Dilma, que fez uma campanha de oposição à Aécio Neves (PSDB) mas que toca, na política econômica, uma agenda rigorosamente idêntica aquela que Aécio defendeu meses atrás.

5) Há a pressão do mercado financeiro, nacional e externo, para que a presidente continue tocando a economia como está fazendo desde janeiro, prestigiando o ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

6) Finalmente, há a pressão das empresas do setor real, pressionadas pela inflação que chegará a 9% neste ano, pelos juros em elevação e pelo fim da era dos incentivos fiscais.

Ufa!

Vamos tentar entender agora como que cada uma dessas pressões se dá - e, assim, estimar como que será o período entre julho e dezembro de 2015.

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Da relação com o PT é realmente difícil que mude alguma coisa, porque ela já foi montada de maneira torta (veja aqui). Ligada à Democracia Socialista (DS), tendência interna do PT relacionada ao movimento trotskista, Dilma guarda pouca proximidade com o grupo que dirige o PT, embora seja a ele ligada oficialmente. O grupo liderado por Lula e Rui Falcão defende que o PT faça o jogo político que fez durante a segunda fase da era Lula, iniciada após a sucessão de crises entre o estouro do "mensalão" e a primeira queda de Palocci, em março de 2006. Foi a partir daquele ano que Lula e o PT fecharam um grande acordo político com uma ampla base partidária (que envolveu o PMDB de José Sarney, Romero Jucá e Renan Calheiros), sindical (pela primeira vez todas as centrais sindicais ficaram do mesmo lado, leia-se CUT e Força Sindical), e internacional, com os elos com os governos de esquerda na América Latina ficando mais profundos. Com isso, o governo ganhou uma densidade política muito maior do que tinha quando chegou ao poder.

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Aquele modelo inaugurado em 2006 acabou em 2012, com o distanciamento de Lula (que começou tratamento de câncer), o fim do super ciclo de crescimento econômico e a própria liberdade adquirida por Dilma como presidente da República depois de passar 2011 demitindo sete ministros herdados do arranjo político de seu antecessor.

O PT e Lula desejam que aquele jogo político volte, de forma a dar tranquilidade para Dilma governar até o fim de seu mandato. Lula, como nome maior da política brasileira (ao lado de FHC, pelo lado tucano), ainda faz uma pressão um pouco diferente: diferente do PT que tem cargo (sejam os petistas eleitos deputados federais e senadores, sejam os petistas instalados na Esplanada dos Ministérios) ele tem um compromisso um pouco menor com o sucesso do governo Dilma. Sim, é claro que o sucesso de Dilma é crucial para o PT e Lula chegarem "vivos" politicamente e com votos em 2018, mas petistas ligados ao ex-presidente argumentaram nos últimos dias que o anseio de Lula é que Dilma não abandone sua política econômica agora, apesar de ser essa uma das causas da baixa popularidade da presidente neste momento. Seria uma forma de, apesar de manter a baixa popularidade, Dilma "arrumar a casa" e preparar o terreno para a volta de Lula em 2018.

Aqui chegamos na pressão feita pelo mercado financeiro, nacional e estrangeiro. A política econômica de Dilma 1 não deu certo, avaliam os economistas do mercado. Como sabe o leitor do blog, a presidente anunciou nada menos do que 35 pacotes (!) com medidas de estímulo à economia entre 2011 e 2014 e o mercado entende que esse excesso de intervencionismo gerou o efeito contrário ao desejado. Além de tudo, a prática das "pedaladas fiscais" combinada ao aumento forte da dívida pública bruta em 2014 deu ao mercado um medo que, até 2012, tinha sido praticamente extinto: que a economia brasileira pode perder o grau de investimento conquistado a duras penas pela sucessão de medidas entre o segundo governo FHC e o primeiro governo Lula.

Dilma venceu as eleições com um discurso e, imediatamente depois de declarar a vitória, decidiu colocar no Ministério da Fazenda um economista liberal, formado pela Universidade de Chicago, com uma passagem bem sucedida pelo setor privado (estava no banco Bradesco até 2014). Joaquim Levy assumiu e, desde então, o mercado passou a ver com bons olhos a política econômica do governo. Agora que parte importante do ajuste fiscal inicialmente planejado por Levy já passou (os aumentos de impostos, a liberação de preços controlados pelo governo, o duro corte de gastos e investimentos públicos, e as medidas de restrições a benefícios trabalhistas e previdenciários, além do fim da desoneração da folha de pagamentos), o mercado teme que a presidente decida tirá-lo da Fazenda. A pressão é forte para que Levy continue.

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Pelas mesmas razões acima descritas, mas com motivações diametralmente opostas, que a esquerda brasileira pressiona - e muito - o governo Dilma. A esquerda (parte do PT, além da CUT, do MST, do PSOL e de segmentos de PC do B, PDT e PSB) simplesmente não conseguiu engolir que Dilma tenha colocado um economista liberal e ortodoxo para tocar a política econômica e tenha dado a ele uma carta branca para atuar. O governo é muito pressionado aqui em Brasília para ceder no ajuste fiscal e instaurar uma agenda mais a esquerda, tanto na economia quanto na política.

No mundo político há outras duas pressões sobre a presidente, como vimos. Uma vêm do mundo político tradicional de Brasília, personificado pelo PMDB. O partido, que é o maior do Brasil (em número de filiados e também de políticos eleitos), tem hoje a articulação política do governo, que Dilma terceirizou para Michel Temer, e também o comando do Congresso Nacional. Nele, o PMDB toca uma agenda claramente aderente aquela do setor privado organizado, como da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que teve participação central no projeto da terceirização, e também de associações empresariais diversas, que pressionaram muito no projeto de lei que revisa a desoneração da folha de pagamentos. Finalmente, grupos conservadores da sociedade, como religiosos ortodoxos e institucionais, tem encontrado eco na pauta colocada por Cunha, para votação na Câmara, incluindo aí a reforma política e a redução da maioridade penal.

A pressão colocada aí sobre Dilma é que "não atrapalhe". Do jeito que está, o governo enfraquecido e disposto a lutar somente pelo ajuste fiscal é um governo excelente para esse arranjo do mundo político tradicional coordenado pelo PMDB continue perseverando. Como há bem poucas vozes dissonantes no Congresso Nacional e a presidente não para de perder popularidade, é bem provável que, neste caso, a pressão continue forte - e bem sucedida para o PMDB.

Um caminho alternativo nesta pressão do PMDB também pode ocorrer. Cunha e Renan Calheiros tem apontado para um "isolamento" de Temer, que estaria desidratado pelo PT. Dependendo de como for o desenrolar dessa articulação, o quadro pode ficar insustentável. Se Temer deixar a articulação política do governo, o último bastião político de Dilma junto ao Congresso terá caído e, a partir daí, a caixa de Pandora será aberta. Neste caso, uma eventual reprovação das contas federais de 2014 pelo TCU, por conta das pedaladas fiscais, poderá ser usada pelo Congresso em agosto ou setembro como um cabo de batalha pela Presidência da República.

Outra pressão política sobre a presidente se dá pela oposição, encarnada por PSDB, DEM, PPS, SD e parte do PSB. A oposição tem uma delicada ação penal entregue ao Procurador Geral da República (PGR), Rodrigo Janot, em que pede a investigação da presidente Dilma Rousseff pelas "pedaladas fiscais". Essa ação, assinada pelo jurista Miguel Reale Jr., sempre surge como um fantasma para o governo. Ela pode ser fortalecida caso o governo tenha suas contas de 2014 rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que já condenou as pedaladas fiscais.

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Aliás, o Estadão revelou que parte da direção do PMDB já iniciou contatos com o PSDB para estudar um cenário sem Dilma na Presidência.

Finalmente, há a pressão colocada pelo setor privado. O governo decidiu soltar todos os preços administrados de uma só vez, no início de 2015. O efeito imediato - a alta da inflação - foi turbinado pelo salto na cotação do dólar, que encareceu os bens importados. Com isso, além da sazonalidade de início de ano (como volta às aulas), a inflação chegou a picos inéditos em 12 anos e ruma para fechar 2015 com uma alta de 9%. Com a inflação em alta, o governo então liberou o Banco Central para aumentar os juros fortemente. Desde 2010, o BC simplesmente não consegue entregar a inflação na meta de 4,5% - e sequer passou perto disso. Além disso, a autoridade monetária passou por momentos de embaraço, como quando, em 2013, passou o ano todo dizendo que o IPCA (o índice oficial de inflação) fecharia aquele ano em um ritmo de alta ao menos inferior ao registrado um ano antes. Em 2012 fora de 5,84%. Ao final, o IPCA ficou maior, e não menor (fechou 2013 em 5,91%). Agora, o BC faz o possível para que, ao menos em 2016, consiga cumprir sua meta principal.

Fato é que, para as empresas privadas, 2015 começou com inflação alta (o que afugenta os consumidores), juros elevados (o que encarece o crédito), impostos mais altos e insumos mais caros (seja pelos preços liberados seja pelo câmbio). A pressão é muito forte para que Dilma retome uma política de incentivos fiscais. Essa pressão bate de frente com aquela do mercado financeiro, que deseja ver o ajuste fiscal perseverar.

Com tanta pressão sobre o governo, o quadro colocado para o segundo semestre é um misto daquilo que vimos entre janeiro e junho: um governo que busca o ajuste fiscal a todo custo por temer a perda do grau de investimento, acuado pelo PMDB no Congresso Nacional e próximo de uma crise grave por conta das "pedaladas fiscais", com Lula e o PT descontentes e com um imenso ponto de interrogação todos os dias: o que mais a Operação Lava Jato pode desvendar na política e nas empreiteiras?

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Uma coisa é indiscutível: será um semestre quente, ainda mais quente do que foram os primeiros 6 meses do ano.

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