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Sempre há um caminho pelo meio

Era Dilma: a visão de um desenvolvimentista

Economicamente falando, o governo Dilma Rousseff praticamente acabou. Como que os desenvolvimentistas viram esse período entre 2011 e 2014?

Por João Villaverde
Atualização:

"A presidente Dilma Rousseff achou que poderia dar continuidade ao governo Lula, mas isso era absolutamente impossível. O legado econômico era complicado diante do populismo anterior, que trouxe felicidade geral... o que é um perigo de se suceder."

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A avaliação acima é do professor Luiz Carlos Bresser-Pereira, e foi feita ao longo de duas entrevistas concedidas na semana passada. Com 80 anos de idade e ainda muito ativo na Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP), Bresser-Pereira exerce uma influência direta ou indireta sobre boa parte dos economistas que ocupam gabinetes importantes no governo federal. O ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, se inscreve na linhagem "desenvolvimentista" da qual Bresser-Pereira faz parte há mais de 50 anos, quando conheceu Celso Furtado e sua obra. Além de Barbosa, o atual secretário de Política Econômica (SPE), Márcio Holland, também é egresso da FGV-SP. Para fechar, o próprio ministro da Fazenda, Guido Mantega, dava aulas de economia na FGV-SP antes da chegada de Lula ao poder, em 2003.

Finalmente, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, embora seja oriundo da USP e da Unicamp, segue a corrente de pensamento desenvolvimentista há mais de 30 anos. Também o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, é um desenvolvimentista. Mercadante, aliás, teve Bresser-Pereira como um dos examinadores de sua tese de doutorado, defendida na Unicamp em dezembro de 2010, semanas antes de ingressar no governo Dilma Rousseff. Aliás, a própria presidente Dilma, formada em economia, pertence à corrente desenvolvimentista, da qual Bresser-Pereira é um dos maiores nomes, no Brasil.

Feito este preâmbulo, leitor, precisamos então entender que, embora haja essa relação, a visão de Bresser-Pereira sobre a condução da política econômica é crítica. Bem crítica, aliás.

"O boom de preços das commodities, entre 2003 e 2008, alavancou receitas fantásticas para o Tesouro Nacional nos anos Lula e isso permitiu que o governo fizesse política distributiva, seja com avanços do salário mínimo e dos benefícios previdenciários, seja com o Bolsa Família. Além disso, permitiu também a explosão do crédito, que bancou um forte mercado interno. Tudo isso aconteceu sem aumento da inflação porque Lula permitiu enorme valorização da taxa de câmbio", disse Bresser-Pereira.

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Segundo seus cálculos, o dólar estava cotado em R$ 5,00 quando Lula assumiu e terminou em R$ 1,90, ao final de 2010. Não, leitor, você não leu errado: o dólar estava em R$ 5,00. Este era o valor da moeda americana em reais a preços de hoje. Ao atualizar o câmbio de dezembro de 2002 pela inflação do período, descontada da inflação americana, Bresser-Pereira estimou que a cotação de R$ 3,95 daquela transição de FHC para Lula seria hoje equivalente a R$ 5,00.

"Foi uma brutal apreciação da taxa de câmbio. Isso segurou a inflação e elevou fortemente o poder de compra dos salários. Foi uma felicidade geral populista, mas que deixou um legado terrível para Dilma. A desindustrialização, então, continuou violentamente nos últimos anos", disse Bresser-Pereira.

A crise da indústria é séria, de fato. Em 2005, o saldo comercial da indústria de transformação tinha sido superavitário em US$ 8 bilhões. Apenas oito anos mais tarde, em 2013, o saldo passou a ser deficitário e chegou a US$ 88 bilhões. Isso quer dizer que, no ano passado, o País comprou oitenta e oito bilhões de dólares a mais em bens industriais do que vendeu ao exterior.

"O erro fundamental de Lula foi a taxa de câmbio. O de Dilma foi a ideia de controlar preços abusando da Petrobras e da Eletrobras", afirmou o professor emérito da FGV-SP.

Bresser tem, desde sempre, uma visão privilegiada de como funcionam no Brasil o capitalismo, o Estado, os partidos políticos e a academia. Foi presidente do Conselho de Administração do Pão de Açúcar, no início dos anos 1980. Filiado ao PMDB, Bresser assumiu o Ministério da Fazenda em um período crítico da história nacional: o imediato pós-Plano Cruzado, no início de 1987. Tendo uma economia quebrada, hiperinflacionada e endividada pela frente, o professor da FGV-SP partiu para um novo programa, o Plano Bresser. Tal qual o Cruzado I e II, e os dois planos que o sucederam - o Verão (1988) e Collor (1990) - o Plano Bresser não deu certo.

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Logo após deixar o governo José Sarney, em dezembro de 1987, Bresser participou da fundação do PSDB, ao lado de Franco Montoro, FHC, Mario Covas e José Serra. Passou a funcionar no partido como um dos principais ideólogos econômicos, tendo escrito livros sobre a social democracia e a abordagem econômica do grupo. Quando FHC se elegeu presidente, criou um ministério para Bresser-Pereira: o Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MAFRE). A ideia, naquele momento, era modernizar o Estado brasileiro, torna-lo mais transparente e, também, menor. Pertencente ao "grupo dos desenvolvimentistas" naquele início de governo FHC, ao lado de Serra (então ministro do Planejamento) e José Roberto Mendonça de Barros (então secretário de Política Econômica), Bresser-Pereira viu de dentro do governo a vitória do grupo rival, apelidado então de "mercadistas" - os liberais. Aquele grupo tinha como expoentes o diretor do BC, Gustavo Franco, além de Edmar Bacha (então presidente do IBGE) e, mais tarde, Armínio Fraga.

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Suas esforços renderam a Emenda Constitucional 19 (EC 19), aprovada em 1998. Com a reeleição de FHC, em 1998, Bresser assumiu outra Pasta - o Ministério de Ciência e Tecnologia. Mas, desta vez, foi um ministro bem discreto. Deixou o governo no fim de 1999 e foi para a FGV-SP, de onde nunca mais saiu. Sua parceria acadêmica com Yoshiaki Nakano, originada no fim dos anos 70, voltou com força. Nakano também tinha acabado de deixar a Secretaria de Fazenda do governo de São Paulo, com o falecimento de Mário Covas, no início de 2001. A dupla Bresser-Nakano chegou a desenvolver uma proposta de programa de governo, na área econômica, para o PSDB defender em 2002.  O PSDB perdeu, e a partir de 2003 começou o governo Luiz Inácio Lula da Silva.

Ao mesmo tempo em que, na oposição, o PSDB caminhou lentamente para uma posição de centro-direita no espectro político e econômico, Bresser-Pereira se moveu na direção contrária.

Depois de muito criticar o governo Luiz Inácio Lula da Silva, Bresser passou a apoiar a política econômica de Lula a partir da explosão da crise mundial, no fim de 2008. Depois, inconformado com a campanha presidencial do PSDB em 2010, Bresser-Pereira anunciou publicamente o desligamento do partido que fundara.

Tendo apoiado o esforço do governo Dilma em reduzir, na marra, a taxa básica de juros e, também de forma um tanto voluntarista, forçar uma desvalorização do real, hoje Bresser está preocupado.

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"Vivemos hoje um cenário parecido com aqueles dos finais de 1986 e de 1998, que eu vivi na pele. Temos maiores reservas internacionais hoje, mas estou pessimista. Tanto do lado do governo quanto da oposição, os economistas não parecem entender perfeitamente que a situação é delicada, e exige um ajuste completo de política econômica", diz Bresser.

O que seria esse ajuste completo?

Segundo Bresser, a partir de 2015, o governo brasileiro precisa se antecipar a um movimento inevitável, que é a realocação de capitais pelo mundo decorrente da recuperação dos EUA. Essa antecipação passa pelo desvalorização do real em relação ao dólar, para patamares superiores a R$ 3,00. Ao mesmo tempo, o governo deve buscar um forte ajuste fiscal, de forma a neutralizar no curto prazo o aumento da inflação que virá com o encarecimento dos bens importados decorrentes da desvalorização cambial. O efeito do câmbio fraco na economia viria somente a partir de 2016 e 2017, com aumento dos dólares oriundos das exportações. Esse seria o ajuste completo.

"Mas confesso que estou pessimista. O que está sendo proposto pelo governo e pela oposição como saída para nossos problemas levará a economia brasileira para uma crise. Fazer um ajuste fiscal sozinho? Sem nada que o apoie? Isso não é correto", afirmou o economista.

Sobre o tamanho do Estado brasileiro, Bresser é enfático: "o grande crescimento do Estado aconteceu nos governos de FHC e de Lula, e não no governo Dilma". Segundo ele, o que houve "foi um afrouxamento da política de superávit primário, o que foi um erro".

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O quadro para 2015 não é simples, avaliam os desenvolvimentistas. Nisso, concordam em gênero, número e grau os economistas liberais. Mas o consenso termina aí.

Como evoluiu o governo Dilma Rousseff para os liberais? Veremos isso no próximo post aqui no blog.

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Atualização de 18/09/2014: Poucos dias depois da publicação deste post aqui no blog, o professor Bresser-Pereira escreveu um artigo anunciando seu voto na presidente Dilma Rousseff. No texto, Bresser explica suas razões.

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