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Sempre há um caminho pelo meio

O ajuste fiscal resistirá às manifestações?

Empresários, sindicalistas e a sociedade, de forma difusa, estão incomodados com o rumo do País. O clima econômico, de aperto e baixo crescimento, deixa o cenário mais turvo. Veja o que acha o governo e o setor privado sobre o que está pela frente:

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Por João Villaverde
Atualização:

Protesto na Paulista, dia 15: desafio de manter ajuste fiscal ( Foto: Daniel Teixeira/Estadão)

O povo foi às ruas. No domingo, 15, o País assistiu a maior manifestação popular desde as Diretas Já, de 1984.

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Empresários não estão satisfeitos com o fato de que parte importante do ajuste fiscal proposto pelo governo Dilma Rousseff recai no aumento de impostos que incidem sobre o faturamento das empresas de 56 setores que foram antes beneficiados com a desoneração da folha de pagamentos. Lideranças empresariais apresentaram esse incômodo ontem ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Além disso, este blog apurou que os empresários já começaram a buscar parlamentares para que estes não aprovem o projeto de lei que aumenta impostos.

Sindicalistas estão inconformados com o fato de que outra parte do ajuste fiscal é a restrição ao acesso de benefícios trabalhistas (como seguro-desemprego) e previdenciários (como as pensões por morte).  As negociações das centrais sindicais com os ministros da Secretaria Geral da Presidência, Miguel Rossetto, e da Previdência, Carlos Gabas, estão tensas e parecem não chegar a lugar algum. Os sindicalistas também já buscaram parlamentares para barrarem as medidas provisórias. Sabendo disso, Levy foi ontem jantar com a bancada de deputados federais do PT, em Brasília, depois de chegar de viagem a São Paulo, onde esteve com empresários.

O leitor cá do blog também já sabe que, juntos, empresários e sindicalistas prepararam um duro manifesto para a presidente Dilma, onde pedem uma política industrial e o fim de medidas de ajuste fiscal.

Além dos setores organizados, a sociedade, de forma difusa, também demonstrou grande descontentamento com o governo Dilma Rousseff. Sobre essa parcela maior da população - que aqui vamos chamar de consumidores, para ficarmos em termos econômicos - também uma parte importante do ajuste fiscal está colocada.

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O governo dobrou o imposto que incide sobre o crédito à pessoa física. Desde o fim de janeiro está muito mais caro tomar empréstimo nos bancos. Além disso, a taxa básica de juros também está subindo. Hoje, os juros básicos estão em 12,25% ao ano, o que deixa contente apenas o investidor em títulos públicos, especialmente o estrangeiro. Outra parte do ajuste fiscal foi o aumento da tributação sobre os combustíveis. Houve repasse direto para os preços nos postos e, desde o fim de janeiro, gasolina e diesel estão mais caros no País.

Com a grave situação das contas públicas - que estão sob investigação do Tribunal de Contas da União e do Ministério Público Federal -, o temor do mercado financeiro aumenta e, com isso, a cotação do dólar não para de subir. O dólar tem oscilado acima de R$ 3,10-R$ 3,20 e isso, além de encarecer produtos importados, também aumenta os preços das viagens internacionais, o que contribui na formação de um clima negativo.

Para finalizar, a decisão do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, de transferir para a conta de luz todas as necessidades de recursos das distribuidoras de energia elétrica - algo que vai na direção contrária da política mantida pela própria Dilma ao longo dos anos de 2013 e 2014 -, se por um lado é bom ao dar previsibilidade para os agentes econômicos, por outro representa um grande aumento de tarifas para os consumidores.

O clima no País não é necessariamente positivo. Os departamentos econômicos dos grandes bancos privados, como Itaú Unibanco e Bradesco, já trabalham com uma forte queda no PIB em 2015.

A pergunta que se coloca é direta: dada a necessidade do governo Dilma de realizar um ajuste fiscal forte, como ontem repetiu a presidente, ele se sustentará? Quer dizer, o ajuste fiscal resistirá às manifestações?

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Com o clima no Congresso Nacional e a pressão de empresários, sindicalistas e da sociedade, os parlamentares vão ganhar politicamente se aprovarem as medidas e projetos do governo?

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O blog fez esta pergunta à fontes graduadas da equipe econômica do governo Dilma desde domingo. As respostas, com diferenças pontuais, apontam para uma direção única: os ministros (Joaquim Levy-Fazenda, Nelson Barbosa-Planejamento, Carlos Gabas-Previdência e Miguel Rossetto-Secretaria Geral) tem consciência do quadro delicado que eles tem pela frente no Congresso, que precisa aprovar as medidas e projetos para que o ajuste fiscal aconteça. Mas todos demonstram segurança de que, "na hora H", os parlamentares vão entender a necessidade de se fazer um aperto agora para poder criar as condições para a retomada do crescimento econômico.

Este é o discurso do governo.

E o setor privado?

O blog fez esta mesmo pergunta ao economista Alexandre Schwartsman, que foi diretor do Banco Central entre 2003 e 2006, comandou o departamento econômico do banco Santander de 2007 a 2011 e desde então atua como consultor no mercado em São Paulo.

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O ajuste fiscal resistirá aos protestos dos diversos setores?

"Muito provavelmente não. Acho que o governo não vai conseguir entregar a meta fiscal de 1,2% do PIB neste ano. Haverá sim uma melhora do resultado primário, que o esforço chegará a algo como 0,7% do PIB, o que é um avanço frente à destruição fiscal registrada em 2014. Mas não conseguirá chegar na meta. A resistência do Congresso Nacional será enorme", disse Shwartsman.

Segundo ele, a força-tarefa do governo Dilma Rousseff pelo ajuste fiscal (que conta com Levy, Nelson Barbosa, Carlos Gabas, o vice-presidente Michel Temer, além da própria presidente) está extremamente focada em 2015. "O governo precisa sinalizar algo com um horizonte maior, que tenha validade pelos próximos quatro, cinco anos. Dizer que o ajuste é importante para 2015 significa, em outras palavras, dizer que se todo mundo aguentar agora, dá para voltar para a farra fiscal em 2017-2018 ou até antes. O que foi feito em 2014 foi uma verdadeira destruição fiscal. Agora o governo precisa voltar a fazer um planejamento fiscal de prazo mais longo, como de certa forma fez o Palocci quando foi ministro", disse o economista.

O blog também fez essa pergunta a um arguto observador do quadro político e econômico atual, o cientista político Rafael Cortez, doutor pela USP e especialista da Tendências Consultoria em São Paulo. Segundo Cortez, o quadro atual coloca sobre o governo Dilma uma pressão imensa pelo ajuste fiscal, mas, para ele, o resultado final pode ser favorável ao governo:

"Politicamente, a presidente tem baixa popularidade e um capital político infinitamente menor do que tinha quando começou seu primeiro mandato. Ela tem pouca margem de erro. Não é por acaso que Dilma faz essa aposta no ajuste fiscal. Este talvez seja o único foco de um eventual cenário de boas notícias no futuro próximo, a partir de 2016, 2017. A melhoria da credibilidade fiscal vai gerar as condições para uma melhora da economia. A não-aprovação desse ajuste, no Congresso, colocaria um risco ainda maior do que o atual de o País perder o grau de investimento e isso seria dramático para o governo nas atuais circunstâncias", disse Cortez.

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O especialista avalia que a negociação com o Congresso não será fácil, mas que deve terminar com a aprovação das medidas. "Levy terá que aumentar essa interlocução com os agentes econômicos e o governo terá que fazer muita política no Congresso para passar suas medidas, mas como esta é sua única saída e há uma consciência geral de que elas podem representar a manutenção do grau de investimento, isso tudo pode dar certo".

E depois do ajuste fiscal, se ele realmente for para frente?

"O governo não tem uma agenda. O cenário é complicado porque este segundo mandato da presidente já nasceu envelhecido, sem base política de esquerda ou de direita. O risco que há é o governo se contentar com o ajuste fiscal e já em 2016 alterar sua política econômica, que terá apenas começado a recuperar a credibilidade. O governo não pode mais errar", disse Cortez.

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O que parece ser consenso entre o mercado, em São Paulo, e os gabinetes do Ministério da Fazenda e do Palácio do Planalto, em Brasília, é que, dado o quadro político e econômico, o governo simplesmente não pode errar.

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Atualização de 19/03/2015

A capa de hoje do caderno de Economia do Estadão mostra que, logo após as manifestações, o governo começou a efetivamente ceder nas suas propostas originais de ajuste fiscal. As negociações envolveram até o ex-presidente Lula, que ontem teve reunião na sede do Instituto Lula, em São Paulo.

Todos os detalhes aqui: Governo deve ceder a empresários e sindicalistas e atenuar medidas do ajuste fiscal

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