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Por Redação
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O desenrolar dos acontecimentos na Europa aponta, com crescente nitidez, para o cenário tido há alguns meses como pessimista. Os fatos recentes - fracasso do G-20, impasses graves, inclusive políticos, na Grécia e, agora, também na Itália, fim do tabu da ruptura do euro - indicam muito mais um agravamento da crise do que sua superação em prazo relativamente curto.

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Para a chanceler alemã, Angela Merkel, a economia europeia levará dez anos para melhorar. Eis a melhor síntese da atual conjuntura também para a economia internacional. Pelo menos a experiência histórica das crises de formação e posterior absorção de bolhas de crédito dá sustentação ao sombrio presságio da líder da mais forte economia europeia.

Metade dos episódios de superendividamento ocorridos desde 1930 foi enfrentada com programas de austeridade fiscal e restrição de crédito. A desalavancagem levou entre seis e dez anos para ser completada e nesse período o crescimento registrado foi modesto. Características desses períodos, taxas de juros baixas refletem políticas de redução do endividamento, lideradas pela retomada dos programas de austeridade e controle dos gastos públicos.

Essa perspectiva reforçada de contração da economia global - à qual a diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, dá tons dramáticos, alertando para o risco de um colapso na demanda mundial - amplia a sustentação das novas tendências de combinação de política econômica, com ênfase no corte de juros, que se difundem pelo mundo. O Brasil não foge à regra e, se o Banco Central falhou, não foi em mudar de conduta, flexibilizando a aplicação do regime de metas de inflação, mas em surpreender os agentes econômicos com uma mudança não coordenada de rumo.

Às vésperas do início, no Brasil, de uma etapa de queda nas taxas de inflação e em meio a um ambiente de gradativo encolhimento do ritmo de atividade econômica, começa-se a enxergar benefícios líquidos na substituição parcial da política monetária pela política fiscal. Essa seria a combinação mais adequada para enfrentar os tempos de contração global - e de expansão doméstica mais modesta - que vêm por aí.

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Enquanto o mundo dá voltas, as análises econômicas também dão as suas. De um lado, tradicionais defensores dos gastos públicos como canal de estímulo ao crescimento defendem agora disciplina fiscal como meio para permitir reduzir os juros, caso do economista Paulo Nogueira Batista Jr., representante brasileiro no FMI. De outro, economistas respeitados, normalmente críticos do governo, que reagiram duramente à recente mudança na política econômica em fins de agosto, caso do ex-presidente do BC Affonso Celso Pastore, agora concordam que cortar juros - e também cortar gastos - é o melhor caminho para enfrentar o quadro contracionista da economia global, pelo menos enquanto tal quadro perdurar.

Especula-se agora, em defesa da política de corte da taxa Selic, como fez Pastore, que o caráter deflacionista da crise global tende a promover uma redução, ainda que temporária, na taxa neutra de juros - ou seja, no nível mínimo de juros que não alimenta a inflação. A estimativa de taxas neutras na economia é sempre um exercício espinhoso, sujeito a chuvas e trovoadas teóricas e técnicas, mas já não são muitos os que duvidam da abertura de espaços para cortar juros e, com isso, dissolver uma pilha de elementos de desequilíbrio na economia.

A defesa do corte de juros tem recebido outras adesões de prestígio. Armínio Fraga considera haver espaço para novas reduções, justamente porque, com a novidade da ação coordenada entre Banco Central e Fazenda, esta assegurando disciplina fiscal, o esforço da política monetária para controlar a inflação caiu pela metade. E Persio Arida lembra que, sendo o governo um grande devedor, uma queda mais acentuada dos juros poderia levar a um aumento da poupança pública, permitindo converter os recursos economizados no serviço da dívida em investimentos na infraestrutura ou em programas de desoneração fiscal.

Num mundo econômico tão conturbado, ninguém é mais citado, para o bem ou para o mal, do que o grande Lord Keynes. É dele também a epígrafe capaz de explicar essa nova e desejável convergência entre os economistas brasileiros, em torno das linhas da política econômica nesses tempos difíceis: "se a realidade muda, minhas convicções também mudam".

 

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