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Economia urbana

Concessões de serviços públicos e a importância da criação de um conselho tarifário

Boa parte dos serviços públicos nas grandes cidades é realizada por empresas privadas sob o regime de concessão. E, a maioria destas tem duração de longo prazo, ou seja, são contratos assinados por períodos superiores a cinco, oito e até mais de dez anos, admitindo renovações por prazos também longos.

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Por Paulo Sandroni
Atualização:

Tratando-se de empresas privadas não é necessário muito esforço para perceber que seu interesse em participar em uma licitação esta intimamente relacionado com o retorno econômico-financeiro que podem obter da mesma. Cada empresa privada define em seus planos de negócio uma taxa de retorno específica que se for obtida torna o investimento atrativo. Podemos chamar esta taxa de taxa mínima de atratividade.

Boa parte dos serviços públicos nas grandes cidades é realizada por empresas privadas, ou de capital misto, sob o regime de concessão/Estadão Foto: Estadão

 

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Se nos cálculos preliminares de uma empresa esta taxa não for alcançada, o investimento em questão não será atrativo e a empresa não participará da licitação. É verdade que, para ganhar uma licitação, empresas aventureiras aceitam receber uma remuneração que não satisfaz a taxa de atratividade, para depois solicitar aditamentos ou revisões contratuais e obter reajustes generosos de tarifas e se compensar de uma perda inicial. Em geral, estas aventuras têm resultados muito negativos e, às vezes, desastrosos em relação à qualidade do serviço prestado e até em sua eventual interrupção em detrimento da população.

A questão do risco Em condições normais, a empresa privada calibra sua taxa de atratividade em função da avaliação de risco apresentado pelo investimento. A taxa interna de retorno efetiva deve ser pelo menos igual ou maior que a primeira.

No caso de serviços públicos em concessão, o maior risco talvez seja o de inadimplência, isto é, quando a fonte pagadora atrasa ou deixa de fazer os pagamentos devidos ao concessionário. A melhor taxa interna de retorno pode ser destruída com atrasos de poucos meses o que obriga as empresas a empréstimos bancários para capital de giro a juros estratosféricos.

O risco de inadimplência, entretanto, é difícil de ser calculado. Muito depende do histórico de quem paga, e embora a lei de Responsabilidade Fiscal aprovada em 2000 tenha melhorado bastante a solvência de Estados e Municípios, a mudança de uma gestão para outra, às vezes, provoca muitos traumatismos nos contratos: por exemplo, um prefeito pode não reconhecer contratos assinados pelo anterior, exigindo reduções valores, ampliação de prazos de pagamentos, etc. Mas existem diferenças importantes entre os projetos que podem reduzir os riscos. A principal delas é se o concessionário recebe diretamente o pagamento pelos serviços que presta ao usuário, ou se o pagamento é feito ao final de cada mês pelo poder concedente.

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No primeiro caso, podemos citar o transporte público por ônibus no qual o empresário é remunerado pelo que recolhe nas catracas, e também a concessão de rodovias nas quais o concessionário recolhe diretamente o pagamento dos pedágios. Nesse caso, quase não existe o risco de inadimplência. No caso das empresas de coleta de resíduos sólidos, no entanto, o pagamento é feito pelo poder concedente e não cobrado diretamente pelo concessionário ao usuário. As diferenças de risco de inadimplência em ambos casos se refletirá certamente em taxa de retorno maior ou menor.

Podemos dizer, no entanto, que quanto maior a percepção por parte das empresas deste risco, maior será a taxa mínima de atratividade demandada e vice-versa.

Esta percepção do risco tem mudado nos últimos quinze anos. E a mudança é para melhor, isto é, o risco tem diminuído. O mesmo, portanto, deveria ocorrer com as taxas de retorno demandadas pelos concessionários. O fato de termos obtido o grau de investimento pelas agências internacionais de rating, e terem caído as taxas de juros reais (Selic real), ajudaram nessa percepção de que os riscos diminuíram. Mas, agora em 2015, outra vez as ameaças de perda do grau de investimento voltaram e as elevações da Selic recuperam a taxa de juros real o que conspira contra a queda nas taxas de retorno e consequentemente em uma redução das tarifas pagas pela execução dos serviços.

A elevação dos custos unitários

A mudança na estrutura de custos vem atuando, porém, no sentido contrário. Em outras palavras, ao mesmo tempo em que o risco do investimento diminuiu, os custos unitários de produção dos serviços vem aumentando nos últimos dez anos provocando uma tendência de aumento nas tarifas.

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Se tomarmos alguns serviços públicos básicos como o transporte e a coleta de resíduos sólidos, intensivos em mão de obra e realizados por trabalhadores cujos salários se encontram na faixa de até três salários mínimos, veremos que os custos nesse item aumentaram em termos reais pressionando a tarifa para cima.

Alguns fatores específicos também contribuíram, porém, para esta elevação: os congestionamentos nas grandes cidades ampliaram o tempo das viagens dos ônibus de passageiros e de caminhões que transportam resíduos sólidos.

Os reflexos nos custos são consideráveis: a rodagem ( consumo maior de combustíveis) e a mão de obra ( aumento de horas extra por exemplo) se traduzem em tarifas mais elevadas para compensar esta perda de eficiência. Vários outros elementos de custos poderiam ser citados, mas os anteriores são os mais importantes.

O aumento da produtividade

Um elemento compensador a esta elevação dos custos é o aumento de produtividade que as empresas tendem a produzir durante os períodos de contratos de longa duração. Por exemplo, a introdução de ônibus articulados ou biarticulados tende a reduzir o custo por passageiro transportado, pois um motorista e um cobrador ao invés de transportar 80 passageiros poderão fazê-lo com 180.

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No caso da coleta de resíduos sólidos, a introdução de containers recolhidos esvaziados mecanicamente por um caminhão coletor especial reduz o emprego de mão de obra: no sistema tradicional cada caminhão é ( por turno) conduzido por um motorista e três ou quatro garis que recolhem as sacolas e as acomodam no baú. Com a nova tecnologia cada caminhão necessita apenas do motorista e de um gari para as serviços auxiliares para realizar o mesmo serviço.

Mas as novas tecnologias dependem de investimento de capital e o custo de captação, isto é, as taxas de juros em elevação muitas vezes tornam a incorporação do progresso técnico inviável. Podemos dizer que o aumento da produtividade - embora amenize - não tem compensado a elevação dos custos dos serviços prestados pelas concessionárias.

A elevação da Selic o dos riscos de inadimplência

O ajuste fiscal, que está sendo levado a cabo pelo governo desde o início de 2015, tende a exercer duas pressões negativas sobre os riscos de inadimplência. O primeiro é que a queda no ritmo de crescimento ocasionará menor arrecadação nos três níveis federativos e portanto menores recursos para pagar prestadores de serviços seja no nível municipal, estadual ou federal.

O segundo é que a elevação da Selic para conter uma inflação que teima em não baixar, provoca uma elevação nas taxas de juros; caso os concessionários que não recebem suas faturas se endividam para pagar seus compromissos, terão custos financeiros muito mais elevados.

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A percepção do risco aumenta e isso se reflete inevitavelmente nas taxas de retorno demandadas seja nos novos contratos seja na renovação ou realinhamento dos antigos. É claro que isso se refletirá em tarifas mais elevadas ou maiores desembolsos por parte das concedentes no exato momento em que seus recursos tendem a minguar. A não observância destas novas condições pode provocar a interrupção de serviços prestados pelas concessionárias ou mesmo a queda expressiva de sua qualidade.

A proposta de um conselho tarifário

Para evitar que estas questões - aumento de custos, mudanças no risco, crescimento da inadimplência - sejam discutidas apenas nos momentos de renovação ou realinhamento de contratos de concessão de longo prazo propomos a constituição de um Conselho Tarifário formado por representantes do governo (cada ente federativo), da sociedade civil (consumidores) e dos empresários prestadores de serviços.

Este Conselho Tarifário poderia tratar inicialmente de dois tipos de tarifa: as dos transportes coletivos por ônibus, e da coleta e disposição final de resíduos sólidos, ambos em nível municipal. As reuniões poderiam ser realizadas mensalmente, contando o Conselho com um grupo técnico encarregado de estudos sobre a evolução de custos, preços e riscos em cada tipo de atividade.

Posteriormente, o Conselho poderia tratar de outras atividades também. Acreditamos que isso facilitaria de maneira considerável as relações entre o poder publico (concedente) e as empresas concessionárias (setor privado) em benefício da sociedade civil consumidora dos serviços prestados.

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