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Economia urbana

Cidades desperdiçam renda de valorização imobiliária em projetos urbanos

Setor público fica com o ônus do impacto e os empreendedores imobiliários e proprietários de terrenos com o bônus da empreitada: oportunidades são perdidas em detrimento de um desenvolvimento mais justo e sustentável

Por Paulo Sandroni
Atualização:

Urbanização da região da Águas Espraiadas: receita para fins sociais (Reprodução) Foto: Estadão

 

Nos países da America Latina e Caribe, da África, da Ásia e do Oriente Médio, as cidades crescem e suas áreas antigas e envelhecidas demandam projetos de revitalização e/ou de reformas. Não raro estes projetos esbarram em obstáculos de difícil transposição como, por exemplo, as estradas de ferro. Verdadeiras cicatrizes urbanas, estas estradas separam as cidades e colocam para os planejadores problemas complexos de reurbanização.

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Para mencionar alguns deles: como viabilizar a conexão entre áreas antes divididas reestabelecendo uma continuidade urbana e ao mesmo tempo fazendo funcionar um transporte sobre trilhos para passageiros e carga?

Várias cidades da America Latina estão elaborando planos e desenvolvendo estratégias neste sentido. Cito apenas os casos mais recentes que chegaram ao meu conhecimento: Cali, na Colômbia, Campo Grande no Brasil, Xalapa no México e Cidade da Guatemala no país homônimo.

Em todos eles surgem pelo menos dois problemas importantes: a) como financiar a intervenção? e, b) o que acontecerá com as famílias pobres, não proprietárias, eventualmente vivendo em favelas que não poderão mais arcar com os preços de uma área que se valoriza?

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Urbanização de Curundú, no Panamá: urbanização com inclusão social ( Foto: divulgação)

 

Financiando as Intervenções

O financiamento das intervenções poderia ser total ou parcialmente viabilizado com as mais valias capturadas da valorização territorial causada pelos próprios investimentos públicos nestas áreas, como acontece especialmente nas Operações Urbanas de São Paulo (Água Branca, Centro, Faria Lima e Água Espraiada).

A manutenção e a urbanização de famílias de favelados na mesma área onde se encontram pode ser assegurada pela instituição de ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social) nas quais o maior e melhor uso é reduzido à construção de algum tipo de moradia popular, sendo o caso icônico a urbanização da favela Jardim Edith que faz esquina com a Av. Luis Carlos Berrini, onde os terrenos estão entre os mais caros da cidade de São Paulo.

A outra favela que está sendo urbanizada é a Coliseu-Funchal, no coração da Operação Urbana Faria Lima, entre os edifícios E-Tower, Millenium e a ex-Daslu, agora transformada em Shopping Center. Mas, ainda são exceções. Magníficas exceções, diga-se de passagem.

Na maioria dos casos citados acima, inclusive em cidades brasileiras onde o Estatuto da Cidade brinda aos Prefeitos instrumentos muito poderosos de intervenção, como a outorga onerosa do direito de construir e outras formas de capturar mais valias, estes projetos estão sendo levados a cabo sem que os problemas anteriormente mencionados estejam equacionados: a valorização tende a fluir para os bolsos dos proprietários e/ou agentes imobiliários. Embora existam mecanismos de inclusão social em alguns destes projetos, ainda faltam formas sistemáticas que garantam os mais pobres contra os processos de exclusão.

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Porto Madero, em Buenos Aires: valorização estratosférica ( Foto: divulgação)

 

A exclusão ex-ante, a exclusão ex-post e as oportunidades perdidas

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Mas, não é necessário que um grande projeto urbano lide com ferrovias para que tais problemas apareçam. E aqui poderíamos fazer uma distinção entre GPUs que causam exclusão antes ou durante sua implantação, e aqueles que provocam a exclusão depois de serem concluídos.

Entre os primeiros, citaria os projetos faraônicos que estão sendo implantados nas áreas circundantes à mesquita sagrada de Meca, na Arábia Saudita, e entre os segundos, o de Puerto Madero, em Buenos Aires.

Em Meca, milhares de famílias foram (e estão sendo) desalojadas das áreas do entorno da mesquita e hoje o preço do metro quadrado nestas áreas pode alcançar mais de US$ 120 mil.

Em Puerto Madero os preços não chegam a estes níveis estratosféricos, mas são os mais elevados da Argentina nos dias de hoje.

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É claro que tais preços bloqueiam qualquer pretensão de famílias - mesmo as remediadas, para não mencionar as mais pobres - de viver nestas áreas. Mas, existem contra exemplos mostrando que é possível que grandes projetos urbanos tenham uma dimensão de inclusão social, e mesmo com a intensa valorização das áreas vizinhas, famílias que ali viviam na condição de favelados foram urbanizadas, permanecendo no mesmo sítio onde moravam há décadas.

Cito dois casos emblemáticos nos quais, por razões diversas, isto aconteceu:

a) a favela urbanizada de Curundú, na Cidade do Panamá, cujo projeto se desenvolveu ao mesmo tempo da construção da primeira linha do Metrô daquele país. A nova urbanização fica a 50 metros da Estação, cujo nome é Curundú;

b) a urbanização da favela Jardim Edith, na Operação Urbana Água Espraiada, localizada na esquina da Av. Luis Carlos Berrini, uma das regiões mais caras de São Paulo. O mesmo acontece com a favela Coliseu-Funchal na Operação Urbana Faria Lima situada entre os edifícios mais modernos da cidade de São Paulo (E-Tower, Milenium, ex-Daslu) cujo projeto (e a desapropriação do terreno) para a urbanização da favela já esta em fase adiantada de desenvolvimento numa das regiões mais valorizadas da capital paulista.

Além da resistência e da luta abnegada dos favelados em não serem expulsos destas duas áreas, dois fatores contribuíram para o êxito destes projetos de inclusão social: a existência de captura de mais valias urbanas nas duas Operações Urbanas através da venda de Cepacs, viabilizando o financiamento da urbanização, e a declaração dos respectivos terrenos como Zeis. Ambos os casos mostram que é possível urbanizar favelas em áreas muito valorizadas permitindo que famílias pobres convivam nas mesmas áreas onde moram famílias de classe média e inclusive famílias ricas.

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Obras de ampliação de Viracopos: exemplo de oportunidade perdida ( Foto: Estadão)

 

As Oportunidades Perdidas

Brasil e Colômbia, com o Estatuto da cidade e a Ley 388, respectivamente possuem legislações das mais avançadas da América Latina, permitindo que o poder público realize intervenções no meio urbano que contribuam à sustentabilidade econômica, social, ambiental e política das cidades.

No entanto, a inércia, a buropatia e a falta de coragem política das autoridades governamentais - especialmente dos Prefeitos - tem deixado escapar oportunidades únicas de capturar mais valias urbanas causadas pelos investimentos feitos em muitos casos pelo próprio estado.

Citaria apenas alguns casos recentes: a reforma/ampliação do aeroporto de Viracopos no Estado de São Paulo. A imensa valorização dos terrenos lindeiros será apropriada pelos respectivos proprietários uma vez que não foi criado nenhum dispositivo de captura dessa valorização por parte do setor público (especialmente pela Prefeitura de Campinas).

O segundo exemplo é o novo Centro Administrativo do governo de Minas Gerais, construído na periferia de Belo Horizonte, que proporciona uma valorização extraordinária nos terrenos vizinhos. Nesse caso parece ter sido criado um mecanismo de captura ex-post através da redução dos coeficientes de aproveitamento nas áreas valorizadas pelo projeto, mas isso garantiria apenas a captura de uma fração da valorização dos terrenos.

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O terceiro exemplo é o novo aeroporto internacional de Quito(Equador), no qual, da mesma maneira que em Viracopos, nenhuma medida foi tomada para capturar as mais valias criadas pela construção do próprio aeroporto.

Finalmente, um edifício com 88 andares e o maior Shopping Center da America Latina, construídos num mesmo bloco às margens do rio Mapocho, em Santiago do Chile, ambos sem que qualquer compensação econômica por conta de mais valias urbanas criadas fossem pagas ao poder público local.

Vários outros casos estão em andamento ou em projeto e aqui fica um alerta: se estas mais valias não forem apropriadas antes (na aprovação do projeto) ou durante sua execução, depois ficará muito difícil, senão impossível, obter as justas compensações econômicas.

O setor público ficará com o ônus do impacto, e os empreendedores imobiliários e proprietários de terrenos com o bônus da empreitada. Oportunidades serão perdidas para sempre em detrimento de um desenvolvimento mais justo e sustentável de nossas sofridas cidades.

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