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Opinião|Degustador, um trabalho de dar água na boca

Saiba como é a rotina de quem ganha a vida provando alimentos e bebidas, uma profissão que envolve muito estudo e preparação

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Por Redação
Atualização:

Ensei Neto trabalha provando café. Foto: Felipe Rau/Estadão

Luiz Fernando Teixeira / Especial para o Estado

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Ganhar a vida experimentando, degustando e avaliando produtos como vinho, café e chocolate? Quem não gostaria? Entretanto, quem trabalha na área garante: a rotina é muito mais dura do que apenas se deliciar o dia inteiro com bebidas ou comidas.

Por exemplo, a sommelier e consultora de cachaças do restaurante Pirajá, Isadora Fornari, tem uma rotina em que leva uma semana só para avaliar a bebida. "Degusto a cachaça em diferente horários do dia. Não posso beber outras coisas nem fumar para poder ter uma percepção plena daquele produto. Então eu faço uma avaliação visual, olfativa e palatável", conta Isadora.

Essa é só uma parte do trabalho. Além disso, Isadora precisa saber para qual público é destinada aquela bebida, coisa que nem os produtores dominam. "Um produto que é extremamente complexo, forte potência alcoólica, gosto intenso e eles querem vender para um público jovem e eu preciso explicar que esse público não vai consumir. Isso interfere em como o produto vai ser vendido."

Momento 'saia justa' de um sommelier

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O relacionamento com os clientes muitas vezes é parte do trabalho de um degustador. O sommelier Gianni Tartari, que trabalha com vinhos há 30 anos, conta que o atendimento de salão é "o momento de mais saia justa" da rotina, quando ele precisa harmonizar a bebida com o prato escolhido no restaurante.

Gianni Tartari é sommelier de vinhos. Foto: Rafael Arbex / Estadão

"Nossa principal sugestão é o que melhor vai funcionar com o prato, pois depende do sabor, textura, condimentos...não depende apenas do preço." Hoje, Tartari atua como consultor para diversas empresas e administra o Bonovino, um clube de curadoria de vinhos.

Uma das especialidades de Ensei Neto, degustador há mais de 20 anos, é o café. A bebida tem uma peculiaridade em relação a outros produtos, porque não sai pronta de uma garrafa e depende da forma como é preparado pelo barista. "Isso pode ser determinante para piorar ou manter a qualidade do produto que foi torrado inicialmente, além de interferir na concentração."

Ele afirma que o mercado para especialistas em café está em crescimento, pelo fato de a bebida ter "entrado na moda". "Está em franca expansão e toda a cadeia se beneficia do desenvolvimento. Há os profissionais agrônomos que são especializados em café, produtores que tem condição de fazer produtos diferentes para o mercado, baristas, e há quem fique nesse meio, que faz as avaliações de café."

Avaliador de café

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Ensei afirma que uma das distinções do avaliador de café é que ele tem de ter registro como Classificador de Produtos Vegetais no Ministério da Agricultura. Assim como outros degustadores, Ensei tem o background de formação em engenharia química com foco nos alimentos, um nicho do mercado que é absorvido principalmente pelas indústrias.

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Kathia Zanatta começou a trabalhar com cerveja quando ainda estava na faculdade. Depois de conseguir um emprego na Brasil-Kirin, ela foi se especializar na Alemanha e se tornou sommelier de cerveja certificada pela Doemens Akademy.

"Inicialmente, eu queria trabalhar na produção, ser mestre-cervejeira em vez de ir para o lado de sommelieria. Dentro de pesquisa e desenvolvimento eu atuava mais em chão de fábrica e produção, que era o que eu queria. Só que gradualmente foi surgindo esse mercado de cervejas especiais", conta a especialista. "Fui a primeira brasileira a fazer o curso de sommelier de cerveja, até então não existia nenhum profissional aqui formado na área", afirma Kathia, que passou a trabalhar também no setor comercial, juntamente a sua atuação na produção.

Provadora de cerveja e analista sensorial de chocolate

Posteriormente, ela fundou o Instituto da Cerveja com mais dois sócios, onde ensina interessados em se tornar degustadores de cerveja. Kathia fala dos trabalhos relacionados à profissão. "Somos responsáveis por fazer serviços de salão, mas também atuamos em outras áreas do mercado, como a área dos negócios, ajudando importadoras a selecionar produtos de qualidade e também dando dicas de harmonização."

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Isadora Bello Fornari. Foto: Leo Feltran

Talitha Faria é analista sensorial na Nestlé. Na fábrica, ela atesta a qualidade dos chocolates da empresa. "Faço parte do quadro de qualidade com mais 250 avaliadores", disse a engenheira de alimentos.

Ela passou por uma série de treinamentos dentro da companhia para estimular os sentidos. Ela explica que o controle ocorre em todos os setores. "Na fábrica de São José do Rio Pardo (SP), por exemplo, a avaliação é das papinhas produzidas."

'Profissionais atuam como um instrumento de medida'

A professora da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Helena Bolini, ministra um curso de Análise Sensorial de Alimentos e diz que os alunos são formados para auxiliar no desenvolvimento dos produtos e não ficam restritos ao gêneros alimentícios.

"As pessoas trabalham como instrumentos de medida, como se fosse qualquer instrumento analítico. Além do desenvolvimento, atuam na área de pesquisa de marketing e inovação."

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Helena afirma que os sentidos não ficam comprometidos por serem requisitados continuamente ao longo dos anos. O que pode acontecer é que o profissional tenha fadiga momentânea nas glândulas sensoriais, o que leva à necessidade de dar uma pausa no processo.

Engenheiros de alimento atuam até em empresas como a Boticário e a L'Oréal, conta Helena, por terem desenvolvido a percepção de como o corpo responde aos mais variados estímulos.

Salário de degustador

De acordo com a Catho, empresa de seleção e recrutamento online, um profissional da área ganha R$ 6,5 mil em média no Brasil, sem a especialização em análise sensorial. Esse nicho está em crescimento no País e, em 2017, foi reativada a Associação Brasileira de Ciências Sensoriais (ABCS), que promove eventos e cursos a interessados.

"O sensorial tem ganhado extrema importância antes, durante e após o desenvolvimento de produtos, sendo altamente decisório no lançamento de produtos. As grandes empresas, em sua maioria, se baseiam nisso para bater o martelo sobre um produto em desenvolvimento", conta a farmacêutica e diretora executiva da ABCS, Juliana Bueno. Atualmente, ela trabalha na empresa de alimentos Mondelez Internacional.

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Ela explica que, além de produtos alimentícios, quem trabalha com análise sensorial também atua no ramo de cosméticos para pele e cabelos (maquiagem, loção corporal, antitranspirantes, perfumes) produtos de higiene pessoal e limpeza doméstica e medicamentos, entre muitos outros. "A ciência garante aprimoramento na acuidade sensorial", afirma.

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