Luiz Roberto de Souza Queiroz ESPECIAL PARA O ESTADO
A pequenina São Paulo de 1875 tinha apenas 31 mil habitantes e praticamente se resumia ao triângulo formado pelas atuais ruas Direita, São Bento e XV de Novembro, perto do colégio original construído pelos jesuítas quando, num sobradinho dentro desse acanhado limite, na Rua do Palácio, atual Rua do Tesouro, foi preparada a primeira edição da A Província de São Paulo que, 140 anos depois, continua a ser editada com o nome de O Estado de S. Paulo. O trabalho era tão artesanal que a primeira edição, prevista para 1º de janeiro, só pode ser impressa com atraso, no dia 4.
Ao longo de sua história, o Estado acompanhou o crescimento de São Paulo, mudando de sede sete vezes. Passou para o outro lado do Córrego do Anhangabaú, quando a cidade se expandiu para além do vale no qual, às margens do curso d'água, o barão de Itapetininga plantava chá. Posteriormente, optou pelo acompanhamento do eixo de desenvolvimento ao longo da Marginal do Rio Tietê, quando o adensamento urbano e uma inovação no trânsito, a "Rótula", que só permitia um sentido de direção na área central, tornou impossível usar a frota de distribuição dos jornais e os pesados caminhões que transportavam bobinas de papel, no apertado limite da Rua Major Quedinho.
As sucessivas sedes do Estado se explicam pelo crescimento do jornal e de sua importância, da Rua do Tesouro para a XV de Novembro, de lá para a Rua João Brícola, depois para a Praça Antonio Prado, no endereço onde funciona a Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa), depois para a Rua Boa Vista, sede própria que abrigava a administração e a redação.
O próximo endereço foi na Rua Barão de Duprat, 41, imóvel tão acanhado que as oficinas funcionavam do outro lado da rua, interligadas à redação pelo famoso "tubo pneumático" de 300 metros, pelo qual eram enviadas as matérias prontas, impulsionadas por ar comprimido por baixo da rua. As instalações eram tão inadequadas que o colunista Gilles Lapouge comenta que, ao ser contratado por Júlio de Mesquita Filho "no seu escritório ainda mais escuro do que a sala da redação", foi tranquilizado pela informação de que "o jornal vai se mudar logo para a Rua Major Quedinho, para um arranha-céu novinho".
A nova sede, iniciada em 1947, foi decorada com o trabalho de três dos mais importantes modernistas brasileiros. Di Cavalcanti fez o mosaico de pastilhas da fachada. Clovis Graciano pintou o imenso painel do saguão de entrada e, irritado porque duas colunas de sustentação do prédio impediriam a visão do quadro inteiro, agrupou os personagens num único canto, para que pudessem ser abarcados pelo olhar. Já Cândido Portinari fez o grande quadro que ficava no salão nobre, retratando os 18 fundadores de A Província de São Paulo.
A pujança de São Paulo e a aceitação do jornal eram tão grandes, que a nova sede teve de ser substituída após apenas 24 anos e um conjunto de quatro unidades foi erigido no Limão, planejado para que, mesmo na eventualidade de uma enchente extraordinária do Rio Tietê, uma saída emergencial permitisse que as bobinas continuassem fluindo do depósito de papel para alimentar as rotativas.
Caminhada. A extensa caminhada das sedes do jornal até o Limão não foi por acaso. Ela reflete a visão de Júlio de Mesquita que, segundo obra ainda inédita de Jorge Caldeira, marcou indelevelmente a história do jornal a partir do momento em que publicou sua primeira colaboração, em 1884. Muito interessado na evolução tecnológica, como gerente construiu a gráfica da Barão de Duprat, abandonou a tipografia manual e a antiga prensa, introduzindo a linotipia e entrega um jornal moderno ao novo secretário da redação, Júlio de Mesquita Filho, que assume em 1921.
Paralelamente, o outro filho de Júlio de Mesquita, Francisco Mesquita (Dr. Chiquinho, como sempre foi chamado), revela-se um administrador de mão cheia e com uma visão incrível do crescimento imobiliário da cidade. Prevendo um boom imobiliário, cria os Classificados, um tipo inovador de anúncio que inicialmente se destina à comercialização de imóveis, mas que logo se amplia para a venda de automóveis, oferta de empregos e faz de O Estado de S. Paulo um verdadeiro parâmetro para o mercado.
Cidade cresce. Foi do Dr. Chiquinho a percepção de que o crescimento da cidade impunha nova migração ao velho jornalão. Ele era profundo conhecedor da cidade e da Zona Norte, conta o pesquisador Marcelo Silveira, pois frequentava a casa de campo do sogro, Arnaldo Vieira de Carvalho, que ficava perto da Avenida Voluntários da Pátria. Já no fim da vida, começa a procurar um lugar adequado para construir a nova sede no novo eixo do desenvolvimento que antevia para São Paulo, a Marginal do Rio Tietê.
Com 84 anos e a vida profissional dedicada ao Estado, o arquiteto Hagop Boyadjian lembra que, após definir a Marginal do Tietê como o a região para a nova sede do jornal, Dr. Chiquinho levantou o registro da área atingida pelas enchentes desde 1936, descobriu um livro com a previsão das linhas a serem construídas pelo Metrô nas décadas seguintes e coube a seu filho, José Vieira de Carvalho Mesquita, o Zizo, que o sucederia como diretor administrativo, a incumbência de escolher o terreno.
"A primeira opção foi perto da Avenida Cruzeiro do Sul, o terreno onde hoje está o prédio da Siemens", lembra ele, mas uma pesquisa de solo mostrou que a área era instável, exigiria fundações especiais e, portanto, caras. E ainda havia o risco de uma eventual desapropriação, se fosse construída a avenida prevista para desafogar o trânsito na área a qual, entretanto, jamais saiu do papel.
A escolha finalmente foi de um terreno de 33 mil metros quadrados junto à Avenida Caetano Álvares, menos sujeito às enchentes. Mas Dr. Chiquinho não chegou a ver a concretização do projeto do escritório Rino Levy, pois faleceu em 1969, dois anos antes do início da obra da sede atual. Morreu quatro meses após o irmão, Júlio de Mesquita Filho.
A obra, grandiosa, previa quatro unidades, o prédio administrativo, o prédio industrial, o prédio anexo à Portaria e a unidade para depósito das bobinas de papel, com o que se resolveu um antigo problema do jornal, a distância do depósito, que era em Vila Prudente.
Problemas. É ainda Hagop quem lembra as muitas vicissitudes para erigir a nova sede. "O jornal enfrentou dificuldades para financiar a obra", recorda ele, "e num contato com um ministro do governo militar foi explicado que os bancos oficiais fariam a operação, desde que o jornal cessasse seus ataques à 'Revolução', que já então se transformara numa ditadura".
O Estado, que jamais cedera a exigências da "autoridade de plantão", foi buscar recursos em outras áreas, mas os problemas não cessaram aí. Rino Levy faleceu antes da obra concluída, e coube ao arquiteto Roberto Cerqueira César assumir sua missão, e não era fácil. O fabricante das rotativas "Hoe" encomendadas era instado a enviar as plantas do produto que iria produzir, para que o desenho dos andares industriais fosse adaptado às necessidades específicas das máquinas.
Complicou também a evolução da obra a notícia de problemas financeiros da empresa contratada para erigir os prédios, que acabou fechando. "Como o Zizo era engenheiro formado pela Politécnica, embora nunca tivesse trabalhado nessa área, ficou resolvido que seu registro vencido no CREA fosse reativado, e ele se tornou o responsável técnico pela nova sede", relembra Hagop.
Esses problemas fizeram com que a construção demorasse e, em 4 de janeiro de 1975, no dia em que o Estado completou cem anos, a missa comemorativa do centenário foi realizada no grande salão vazio, onde posteriormente seriam instaladas as rotativas.
Atrasada a conclusão da obra e havendo necessidade de entregar o prédio da Major Quedinho, a administração e os jornalistas começam a trabalhar no edifício ainda inacabado, tanto que se alcançava a redação por um elevador externo, montado para uso dos pedreiros e demais pessoal da obra.
A sede finalmente ficou pronta, mostrando-se tão bem projetada que, ao longo dos anos, atendeu às necessidades de ampliação, seja da Redação, do Departamento Fotográfico, da Administração, absorveu sem problemas os novos equipamentos decorrentes da evolução tecnológica e ainda teve espaço para abrigar a Agência Estado e a Rádio Eldorado.
VÍDEO: Veja a construção da nova sede do Estadão em 1975
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Das antigas sedes do Estado de antanho, Hagop Boyadjian guardou as ilustrações e fotografias que, como preito à memória dos 19 cotistas que em 1874 criaram uma "sociedade em comandita" para produzir um jornal, ele enfileirou no corredor de entrada da diretoria, a pedido de outro filho do Dr. Chiquinho, José Vieira de Carvalho Mesquita, o Juca.
Para ele, a galeria retrata a evolução do jornal que nasceu numa cidadezinha de poucas quadras e 31 mil habitantes e cresceu com ela, que com o tempo urbanizou uma área de 1.523km² e abriga hoje 11,9 milhões de habitantes. / COLABOROU MARCELO LEITE SILVEIRA