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Opinião|Muito além do Orçamento

Rolf Kuntz - O Estado de S.Paulo

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Atualização:

Se é despesa criada por emenda, quase certamente não presta. Pode haver algum exagero nessa afirmação, mas o risco de erro será pequeno se o governo podar todo gasto originário de emenda à proposta de lei orçamentária. A verba para o Ministério do Esporte, por exemplo, passou de R$ 1,29 bilhão para R$ 2,46 bilhões, na tramitação do projeto, com variação de 90,7%. O dinheiro previsto para o Ministério do Turismo foi multiplicado por quatro, de R$ 862,92 milhões para R$ 3,65 bilhões. Parte desse aumento, cerca de meio bilhão, foi tirada de programas de saneamento, urbanização de favelas, segurança do espaço, escolas e combate ao trabalho infantil, segundo levantamento da organização Contas Abertas. Se aqueles programas forem recompostos, ainda sobrará muita despesa para ser eliminada. Muito dinheiro foi remanejado no Congresso e mais uma vez houve a farra das verbas para "entidades sem fins lucrativos". Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o tamanho do corte será estudado nas próximas semanas. A lei do Orçamento nem foi sancionada e, por enquanto, os ministérios poderão gastar uma pequena parcela de suas verbas. A limitação é exigida por lei, mas o bloqueio é mais severo que o habitual: o teto foi fixado em 1/18 e não em 1/12. Se o governo estiver disposto a cuidar do assunto seriamente, deverá enfrentar dois problemas: ajustar o orçamento à meta fiscal estabelecida para o ano e, além disso, iniciar a mudança do padrão da despesa. A presidente Dilma Rousseff mencionou mais de uma vez a intenção de cuidar da qualidade do gasto. É tarefa para todo o mandato. As emendas apresentadas tradicionalmente pelos congressistas são um bom e fácil exemplo de como se desperdiça dinheiro federal. O desperdício pode ocorrer mesmo quando a verba é destinada a uma obra útil, mas de caráter tipicamente municipal ou estadual. Durante oito anos, o governo petista proclamou a reabilitação do planejamento, mas nunca foi além do discurso. Muito desperdício continuou, tanto no custeio pouco produtivo quanto no investimento mal concebido e mal administrado. No setor público, o esforço de fiscalização tem dependido quase exclusivamente da Controladoria-Geral e do Tribunal de Contas da União (TCU). O TCU tem ido além da verificação contábil e discutido a qualidade do trabalho gerencial. Fora do governo, só uma entidade, a organização Contas Abertas, acompanha de forma competente e sistemática as finanças federais. Mas a prometida melhora do gasto exigirá uma severa revisão de cada programa. Desperdício e ineficiência vão muito além das emendas, como já mostrou o TCU ao criticar, por exemplo, os projetos do PAC. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) acaba de dar uma boa contribuição ao debate - melhor, provavelmente, do que pretendia. A entidade propôs ao governo o corte de R$ 40 bilhões dos gastos orçados para 2011, mas defendeu a preservação de vários programas e projetos. À lista, no entanto, vale também um exame crítico. Alguém sabe, por exemplo, como tem funcionado o programa de "subvenção à remuneração de pesquisadores empregados em atividades de inovação tecnológica em empresas"? Produziu algum resultado? É mesmo justificável? Quais as diferenças entre os programas de "subvenção econômica a projetos de desenvolvimento tecnológico", de "apoio ao desenvolvimento da tecnologia industrial básica para a inovação e a competitividade", de "fomento a projetos de capacitação tecnológica e de inovação das empresas" e de "fomento a projetos de fortalecimento da capacidade científica e tecnológica"? Esses e outros itens da política tecnológica, com verbas previstas de R$ 1,1 bilhão, constam da relação de prioridades da CNI. A lista completa inclui investimentos em transporte, energia, habitação, saneamento e modernização industrial e comercial. Um ajuste fiscal de efeito duradouro envolverá um esforço de vários anos. Dependerá de uma revisão ampla de programas, de formas de trabalho e de critérios. O atual governo suportará os efeitos de erros cometidos nos últimos oito anos, como o excesso de contratações, o enrijecimento das contas públicas, a relação promíscua entre o Tesouro e os bancos estatais e o apoio arbitrário a certos grupos econômicos. Terá de enfrentar pesados compromissos assumidos de forma talvez precipitada, como a realização da Copa do Mundo em 2014. Tudo isso limitará sua liberdade, mas poderá ser, ao mesmo tempo, um estímulo a mais para uma gestão mais calculada, menos paternalista e menos voluntarista.  JORNALISTA

Opinião por Rolf Kuntz

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