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A queda de braço entre o setor têxtil e o governo

Até agora o governo vem resistindo a pressão do setor têxtil para frear a entrada de roupas importadas no País por meio de uma salvaguarda para o setor de confecção. Uma fonte do governo federal ouvida pelo blog disse que a medida é muito "forte", "abrangente" e "não resolveria o problema". De acordo com esse interlocutor, o governo está sensível aos problemas enfrentados pelos empresários da confecção, um setor altamente empregador, mas há outras formas de ajudar, como medidas antidumping ou alívio tributário.

Por Raquel Landim
Atualização:

Em agosto do ano passado, a Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit) protocolou um pedido de investigação de salvaguarda para 60 itens do setor de vestuário, que representam 82% das importações de roupas do País. Estão na lista camisas, calças, vestidos, saias, roupa infantil, moda praia, roupa íntima e etc. A salvaguarda é uma cota ou sobretaxa aplicada por alguns anos para todos os produtos do setor contra todos os países.

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O pedido da Abit continua em análise no Departamento de Defesa Comercial (Decom), do ministério do Desenvolvimento, que não tem prazo para decidir se abre ou não o processo. A investigação só começa se o Decom entender que há indícios suficientes de que um surto de importação está provocando dano à indústria doméstica. O assunto pode parecer ainda muito preliminar, mas advogados especializados em defesa comercial explicam que conseguir a abertura do processo já é um ponto a favor do setor, porque "a pressão aumenta e o relógio começa a correr".

Os técnicos do ministério consideraram "frágil"a petição entregue pela Abit, principalmente em relação ao dano provocado à indústria doméstica. Pelos dados apresentados no processo, as importações do setor de confecção cresceram 240% entre 2007 e 2011 e a participação das roupas vindas do exterior nas compras dos brasileiros saiu de 3% em 2005 para 9% em 2011. Mas o efeito sobre as empresas locais ainda é limitado. Em 2011 em relação a 2010, a produção caiu apenas 1,2%.

O blog apurou que o governo solicitou a Abit algumas informações adicionais. O Decom pediu para atualizar os dados, o que significa alterar o período da investigação de 2007-2011 para 2008-2012. Além disso, quer que sejam incluídas pelo menos mais 5 empresas no processo, elevando o número de companhias que abrem seus números para 40, um universo ainda limitado da indústria doméstica, que soma mais de 30 mil confecções com mais de 5 funcionários.

No setor, a insatisfação é crescente. "Falta vontade política. O governo está se escondendo atrás de argumentos técnicos", disse uma fonte que preferiu não se identificar. Segundo esse interlocutor do setor privado, os empresários da confecção reconhecem que a salvaguarda é um instrumento "potente", mas acham que "não deve ser mistificado". A avaliação é que medidas antidumping não são eficientes para defender um setor tão fragmentado, que possui diferentes tipos de produto - teria que ser feito um processo antidumping para cada produto, algo praticamente inviável.

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O setor têxtil é um dos lobbies mais bem organizados do País e diz que não "pretende jogar a toalha" no pedido de salvaguarda. Um empresário que pediu para permanecer no anonimato lembra que o setor foi estimulado a entrar com o pedido de salvaguarda pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, que já manifestou publicamente o seu apoio ao pleito. Segundo uma fonte, a Abit tem mantido Mantega informado sobre o assunto, mas "o ministro tem assuntos mais urgentes, com alavancar o crescimento do País".

Para fontes do governo, a confecção pode ser "ajudada de outras formas" - uma hipótese é um alívio tributário. O setor já faz parte da lista dos beneficiados com a desoneração da folha de pagamentos, mas, paradoxalmente, a medida ajudou pouco. Muitas confecções terceirizam a costura das roupas - a parte que gera mais empregos e, consequentemente, mais encargos trabalhistas.

Em sua última coletiva de imprensa, a Abit informou que, além da salvaguarda, está solicitando ao governo que crie um regime tributário especial para a confecção, a exemplo do que já ocorre com outros setores como construção civil e petróleo. A proposta é reduzir a carga tributária da confecção dos atuais 18% da receita bruta para algo entre 5% e 10%. A entidade, no entanto, não detalhou como isso seria feito. Segundo uma fonte do setor de confecção, o regime tributário especial e a salvaguarda são medidas complementares.

Uma eventual salvaguarda para o setor têxtil é um tema extremamente polêmico e está movimentando uma série de interesses. Os grandes varejistas têxteis, como Renner, Marisa e C&A, não querem nem ouvir falar de cota para importar roupa. Eles argumentam que a indústria local não tem condições de atender a demanda. O fato é que roupa no Brasil é mesmo muito caro. Prova disso é que as malas dos turistas voltam cheias de viagens a Miami, Nova York e até a Europa. Para os fabricantes, a culpa é do custo Brasil. Para os varejistas, o problema é o protecionismo. Ambos podem estar corretos, só que a maior parte da fatura é paga pelo consumidor.

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