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120... 150... 200 km por hora

Esta antiga música do cantor Roberto Carlos ilustra bem o desafio do ajuste fiscal que se impõe ao Brasil: ou tiramos o pé do acelerador ou bateremos o carro. A dívida bruta do País, já elevadíssima para uma economia emergente, é agravada pelos juros mais altos do mundo. A economia sofre a pior crise desde 1929, por isso a arrecadação de tributos está no fundo do poço. A tempestade perfeita se completa com uma crise política sem precedentes.

Por FELIPE SALTO E JOSÉ ROBERTO AFONSO
Atualização:

O governo interino de Michel Temer não se furtou a enfrentar esses problemas e procurou responder com um “novo regime fiscal”. O seu ponto de partida é uma proposta de emenda constitucional para limitar o crescimento anual do gasto primário federal à inflação do ano anterior.

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O teto ora proposto é comparado aos limites de velocidade no tráfego, que são essenciais para disciplinar o trânsito, mas desde que acompanhados de uma série de outras regras, restrições e multas previstas no Código de Trânsito Brasileiro.

Não basta colocar uma placa na estrada com o limite máximo de velocidade de 120 km/h. É necessário ter fiscalização e previsão e aplicação de sanções que levem o condutor a agir de maneira responsável. Da mesma forma, construir um novo regime fiscal exige disciplinar as receitas, as despesas, a dívida pública e o patrimônio. A recente proposta é como a placa que passará a informar o limite máximo, mas que, sozinha, será insuficiente para dirimir os enormes equívocos e excessos cometidos na direção das contas públicas.

A boa notícia é que já tramitam no Congresso Nacional alguns projetos que ajudariam a formar um bom código fiscal. É o caso daqueles que tratam das normas gerais de orçamentos e contabilidade pública, da responsabilidade de empresas estatais, da criação do conselho de gestão fiscal, da responsabilidade fiscal nos Estados e do controle da dívida federal.

Aliás, fixar limites para a dívida da União é crucial para assegurar sucesso à limitação do gasto. A experiência internacional mostra que muitos dos países que adotaram o teto para o gasto também fixaram limite para a dívida. No caso do Brasil, bastaria aprovar o projeto de resolução nos termos do substitutivo do senador José Serra, no plenário do Senado, para o limite entrar em vigor. O texto prevê uma trajetória gradual de redução da dívida em proporção da receita no prazo de 15 anos.

Alerta. Outro entrave para calibrar de forma adequada a velocidade máxima do gasto é que pelo menos 14 rubricas da despesa pública estão sujeitas a algum tipo de indexação ou vinculação. Elas representam R$ 700 bilhões. Não por outro motivo, o professor Edmar Bacha tem alertado que o teto poderá paralisar o governo, se não for bem feito. Bacha também tem lembrado, diante de nosso vício de atentar apenas para o resultado primário (que não considera os juros pagos pelo setor público), a importância do déficit nominal.

Se o déficit primário federal for de R$ 170 bilhões, até o final do ano, com juros pagos em torno de R$ 460 bilhões (sendo metade referente aos custos das operações cambiais e compromissadas do Banco Central), o déficit nominal poderá chegar a impressionantes R$ 630 bilhões, ou 10,5% do Produto Interno Bruto (PIB). O superlativo desses números é inversamente proporcional à qualidade do debate público sobre os efeitos fiscais das políticas do Banco Central.

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O Poder Executivo não pode perder os ventos favoráveis sentidos pelos agentes econômicos, e para isso precisará criar fatos novos.

Emblemático seria apoiar e aprovar, dentre outras regras, o limite de velocidade máxima também para a dívida da União. É uma regra que completa e fortalece o regime de responsabilidade fiscal, enquanto se adota uma estratégia sólida para superar a depressão econômica, a principal salvação para as contas públicas. Só crescendo muito, mas muito mesmo, será possível gastar menos, bem menos.

São, respectivamente, economista pela FGV/EESP e coautor do livro ‘Finanças Públicas: da Contabilidade Criativa ao Resgate da Credibilidade’, a ser publicado em agosto pela civilização brasileira; e doutor em economia pela Unicamp, pesquisador do IBRE/FGV e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP)