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2018 e além

A resistência a mudanças inevitáveis é característica de nossa sociedade

Por José Roberto Mendonça de Barros
Atualização:
Maioria dos parlamentares que não se mostra disposta a votar pala reforma da Previdência pensa só na consequência eleitoral Foto: André Dusek/Estadão

Estamos nos aproximando de um momento decisivo. Na economia, o cenário polarizou e passou a depender da aprovação da reforma da Previdência, ainda que na sua forma mais compacta. Na política, o julgamento de Lula em janeiro e a janela de mudança na filiação partidária em março, vão acabar por levar à formação do grid de largada da sucessão presidencial, resultando na primeira baliza das chances das diversas candidaturas. Mais do que a nomenclatura, o que vai ser fundamental é a característica do embate entre populistas, de esquerda ou de direita, e reformistas. A questão complicada na elaboração desses cenários é que os dois campos, econômico e político, não são independentes. Embora exista a frustração resultante da incapacidade do governo de levar a voto a reforma da Previdência, muita gente está deixando de levar em conta alguns pontos que considero fundamentais, pois viramos o ano com dois avanços decisivos. O primeiro é que não pairam mais dúvidas sobre a necessidade da reforma da Previdência. O governo demorou a articular o discurso de redução dos privilégios, mas o fez com certo sucesso. Uma indicação disso é que os sindicatos de trabalhadores do setor privado não têm mostrado particular interesse em lutar contra a reforma, como demonstra a baixa adesão das manifestações fora de Brasília. Apenas as associações dos servidores públicos estão mobilizadas na defesa de seus privilégios. O diagnóstico de que não existem problemas está hoje restrito à extrema esquerda (como na entrevista de Guilherme Boulos, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e aos representantes das corporações públicas. A maioria dos parlamentares que não se mostra disposta a votar pela reforma se utiliza apenas do cálculo eleitoral (eventualmente equivocado, como apontou o trabalho de Pedro Nery), e não da discordância do diagnóstico. Da mesma forma, as corporações públicas já perderam a disputa pública na defesa de seus privilégios e, como consequência, estão negociando uma retirada mais lenta dessas vantagens, e não justificando e robustecendo sua situação. O caso mais claro é que, após anos de dura resistência, os Tribunais de Justiça dos Estados estão encaminhando ao Conselho Nacional de Justiça e à presidente Cármen Lúcia, do STF as folhas detalhadas dos pagamentos, nas quais aparecerá, além dos salários, uma incrível variedade de penduricalhos, que incluem desde auxílio-residência, passando por ajuda na educação dos filhos, até compra de livros e outras coisinhas mais. Infelizmente, a resistência a mudanças inevitáveis, resultante da evolução do mundo, é uma característica de nossa sociedade. Nossa história está coalhada de exemplos. O caso mais emblemático, para mim, é o da abolição. A pesquisa histórica mostra que, em 1888, a escravidão tinha perdido o grosso de sua importância em favor do trabalho assalariado. Mesmo assim, os proprietários conseguiram compensações creditícias, uma das causas da especulação financeira no início da República que ficou conhecida como Encilhamento. É o caso também da inflação muito elevada: a evidência de que sem estabilidade de preços não há crescimento sustentado (veja a Ásia) é massiva. Entretanto, demoramos décadas e foi preciso uma superinflação para que o Plano Real tivesse espaço para ocorrer – e ainda hoje tem gente (inclusive alguns colegas) para quem um pouco de inflação (e, pasme, de corrupção) não faz mal. Da mesma forma, ainda existe muita resistência a admitir que a ruína das finanças públicas causa inflação, que destrói o crescimento sustentado. Em consequência, o crescente déficit da Previdência (que não pode mais ser mitigado pela elevação da carga tributária), que desorganiza as finanças, vai trazer de volta a inflação se não for combatido de forma enérgica. No caso do Brasil, a necessidade de reforma também decorre de outro fato: estamos vivendo mais. Mesmo os nascidos em regiões e faixas de renda mais pobres, quando atingem os 50 anos viverão além dos 70 anos. Logo, não é mais possível, como hoje, mulheres se aposentarem, em média, aos 52 anos e homens aos 55. Finalmente, o sistema previdenciário público, além de ser o grande responsável pelo déficit, amplifica e congela privilégios inaceitáveis das categorias de elite do serviço público nos três ramos de governo. Assim, a situação previdenciária mistura questões de sustentabilidade fiscal, alterações demográficas e injustiças distributivas numa única questão. Nada é mais decisivo para o retorno do crescimento sustentado. Deixado solto, o déficit vai continuar se ampliando muito e assistiremos à volta da inflação e da estagnação. O cenário de 2018 vai depender, portanto, da aprovação da reforma em fevereiro próximo. Em caso positivo, teremos um ano bastante construtivo para a economia: 3,5% de crescimento do PIB, puxado pelo consumo e pela expansão de crédito para as famílias; inflação de 3,8%; boas exportações; melhora dos investimentos. A construção civil, único setor a fechar o ano ainda em recessão, deverá voltar a crescer. Lentamente, o crédito para as empresas melhorará. O desemprego seguirá caindo, até algo próximo a 10% – ainda elevado, sem dúvida. Veremos até o fim de 2018 se a reforma trabalhista fará algum efeito sobre o mercado de trabalho (acredito que sim). O crescimento deverá se espalhar para as regiões ainda em crise, como Rio de Janeiro e Nordeste. Com isso, o nível de pobreza vai recuar em alguma medida, como já ocorreu em 2017. Se a reforma não for aprovada, porém, o cenário acima descrito ficará bastante esmaecido, porque tudo passará a depender do resultado do embate entre reformistas e populistas. Já coloquei inúmeras vezes minha percepção de que, em caso de vitória do populismo, mesmo em sua versão paz e amor, voltaremos ao pântano. No caso de vitória de um reformista, a reconstrução do crescimento sustentado será árdua, pois terá de começar com uma versão bastante dura da reforma previdenciária. Nesse caso, vai demorar um pouco mais para que o otimismo e o crescimento sejam recuperados plenamente, até porque o risco de uma mudança no cenário global, que hoje nos favorece, será crescente.

*É sócio da MB Associados.

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