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‘A agenda liberal está sendo usada de forma oportunista’

Para Franco, partidos abraçaram essa agenda para alcançar eleitores, mas debate precisa ser mais ambicioso

Foto do author Renata Agostini
Por Renata Agostini
Atualização:

Ex-presidente do Banco Central e um dos formuladores do Plano Real, Gustavo Franco vê “oportunismo” de partidos e políticos que buscam abraçar a agenda liberal sem real convicção ou afinidade com o tema – caso de Geraldo Alckmin, do PSDB, partido do qual já foi filiado, e do MDB, de Michel Temer. Para Franco, o interesse em tal ideário decorre da adesão às ideias liberais pela população após sucessivos escândalos de corrupção e o colapso financeiro de governos estaduais. “Isso transmitiu a ideia de que o Estado redentor, pai dos pobres, não passa de mito.”

Franco, que é sócio-fundador da Rio Bravo Investimentos, deixou o PSDB e filiou-se ao Novo, onde atua como coordenador do programa de João Amoêdo à presidência. Ele defende um debate “ambicioso” sobre o ajuste fiscal, que envolva criação de um sistema de previdência complementar, e uma “reforma trabalhista 2.0”. 

Franco coordena o programa de João Amoêdo à presidência Foto: Marcos Arcoverde/Estadao

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O sr. deixou o PSDB e aderiu ao Novo. Sentiu que era preciso fazer parte de um partido? Minha decepção com o PSDB construiu-se gradualmente. O partido foi se afastando das ideias do Real. Por mais que se queira vesti-lo como iniciativa motivada por ideais da social-democracia, o Real foi resultado do esforço de reformas liberais. Isso foi sendo esquecido. A decepção foi se acumulando e somou-se à do quesito ético, com o tratamento que acho que deveria ter sido dado a Aécio Neves. Então veio o Novo, onde ideias liberais podem se expressar com sua própria voz. 

O sr. acredita que o ambiente é mais favorável a essas ideias? O clima mudou completamente. Porque o País amadureceu ou porque a experiência de Dilma Rousseff foi um fracasso retumbante. Como exemplo, vejo a postura em relação à Petrobrás. Geraldo Alckmin, o candidato do PSDB que, no passado, vestiu jaqueta e boné com escudos de estatais, agora é como se estivesse vestindo aquela jaqueta do avesso. Acho que em nenhum dos dois casos ele foi sincero.

Alckmin pensa o quê, então? É outro assunto, que não é mais meu. O fato é que está na moda e muitos partidos estão tentando, ao meu juízo de forma oportunista, abraçar essa agenda. Inclusive o governo Michel Temer, que trouxe para sua área econômica pessoas com credenciais liberais impecáveis. Os escândalos de corrupção diminuíram a fé das pessoas na ideia de que o Estado resolve todos os problemas. No Rio, a ausência de eficácia do Estado resultou no colapso financeiro. Tudo isso transmitiu a ideia de que o Estado redentor, varguista, pai dos pobres, não passa de um mito. 

Por que o Congresso não acordou para essa agenda? A reforma da Previdência foi barrada. Acho que acordou, sim. Os partidos e os candidatos perceberam e estão tentando se adaptar. Gosto do Novo porque ele vem da base, que é predominantemente de pequenos empresários e profissionais liberais de classe média para baixa. Há 92 milhões de pessoas trabalhando no País, sendo 33 milhões com carteira assinada. Mas há 27 milhões de empreendedores: profissionais liberais e pequenos empregadores. Essas pessoas querem um Estado que ajude o empreendedor e não que atrapalhe e oprima por meio da legislação tributária, trabalhista e da burocracia. Se o Novo ocupar esse espaço, talvez seja um dos principais partidos daqui a pouco.

O sr. não deseja ser político? Não contemplo essa possibilidade. Gosto de colaborar. Mas tenho minha profissão.

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O sr. classificou a pauta reformista de Temer como acanhada. O que seria a pauta ambiciosa? Os temas são similares. Mas a discussão da Previdência que foi colocada é limitada. Trata somente da reforma paramétrica, de modificar parâmetros do sistema previdenciário atual, centrado no INSS. É um sistema pelo qual quem trabalha paga a aposentadoria de quem está aposentado. No decorrer do tempo, fica difícil fechar a conta e o princípio passa a ser de alterar a contribuição, a idade de aposentadoria, para que a conta fique menos negativa. O mais ambicioso seria fazer reforma em conexão com o segundo pilar, da previdência complementar. 

Como fazê-lo?  Não vamos conseguir fazer o segundo pilar a partir do primeiro. Não se pode desviar as contribuições que hoje pagam aposentadorias para capitalizar novo fundo de pensão que somente lá na frente poderá pagar aposentadorias. A ideia é transformar o FGTS num fundo de pensão. Muito provavelmente é possível incorporar o FAT e o antigo sistema do PIS, que paga o abono, nessa equação para que seja um fundo de pensão de maior dimensão. O FGTS é uma poupança das pessoas que o governo usa para seus propósitos, meio que tributando o dinheiro que não lhe pertence. É um caso onde o administrador escraviza o dono do dinheiro. Essa ideia é interessante porque, primeiro, começa a corrigir a distorção que é o FGTS e, em segundo lugar, porque esse dinheiro passará a irrigar o mercado de capitais. As pessoas vão receber uma notícia boa: o FGTS vai render mais. 

Haveria uma transição? Os sistemas se sobrepõem. As pessoas já têm uma aposentadoria mínima, que vem do primeiro pilar. O segundo é complementar. Não precisa haver migração integral. Mas, ao longo do tempo, o primeiro pilar terá de fazer reformas paramétricas, porque a demografia exigirá o equilíbrio. Reformar o primeiro pilar torna-se agenda enjoada de enfrentar se você não tiver outra coisa, que é a previdência complementar, para suprir a ansiedade das pessoas em relação à velhice.

O que mais tem de ser feito? É essencial a reforma trabalhista 2.0, que consiste em pensar a missão da Justiça do Trabalho e do Ministério do Trabalho como órgãos que promovem emprego e produtividade, e não como entidades que estão em função de quem tem emprego contra quem cria emprego. É preciso estabelecer a convergência de interesses entre empresa e trabalho. A luta de classes ficou para trás e é conceito obsoleto para observar a sociedade dos nossos dias. A ideia de um contra o outro estava perdendo sua substância e foi trazida de volta pelos governos do PT, o “nós contra eles”, a oposição de classe. Essa nova filosofia abre espaço para negociação e para relações de trabalho mais complexas, terceirizadas, quarteirizadas, que vão se tornando cada vez mais a regra, e não a exceção. A carteira assinada é meio como o concurso público. Duas categorias do mesmo sonho: de pular para uma situação de conforto material assegurado. A vida não é assim.

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Há algum setor em que o Estado tem de estar ou a privatização tem de ser irrestrita e imediata? Não. Se vamos vender para abater dívidas, temos de vender direito. Há casos em que as empresas estão prontas para serem vendidas e meu exemplo predileto é o Banco do Brasil. Ele poderia ser privatizado, sem descaracterizar a marca e a instituição, para um grupo que não contenha Bradesco, Itaú e Santander. Faria um bem gigantesco. Esse é o fácil.

E os difíceis? O objetivo não é privatizar por privatizar, mas fazer com que as pessoas tenham acesso ao serviço. A Cedae (companhia estadual de água e esgotos do Rio de Janeiro) poderia ter sido privatizada lá atrás e a vida poderia ter sido diferente para todas as pessoas que tiveram dengue. Não podemos esquecer que a prioridade é o cliente. No caso do saneamento, quem teve picada de mosquito, quem quer água e esgoto em casa. A pergunta a ser feita às pessoas não é se elas gostam de privatização, mas se elas gostam de ter dengue. 

O que fazer com o dinheiro levantado com as vendas? Às vezes nem vai levantar. No caso do saneamento, há déficit de investimento. Esse dinheiro os governos estaduais e federal não têm. O setor privado tem. Por que não trazer para o jogo esse ator? Em alguns casos, a tarifa vai aumentar sim. Mas tarifa cara é não ter o serviço. 

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O Novo tem pouca chance à presidência. Apoiaria o PSDB? Não sei. Gosto muito do Persio Arida (coordenador do programa econômico de Alckmin), trabalhei com ele e temos inúmeras afinidades em muitas ideias. Mas o projeto do PSDB não é o do Persio. Assim como o de Jair Bolsonaro (PSL) não é o do Paulo Guedes. O concurso não é de economistas. O concurso é para outro emprego.

Os desafios, segundo Gustavo Franco.

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Previdência. O debate não deve limitar-se às reformas paramétricas de idade e tempo de contribuição no sistema atual, mas incluir conversas para a criação de um sistema previdenciário complementar. Sua proposta é usar o FGTS como base para o que ele chama de “segundo pilar” da previdência, que também poderia agregar o FAT e o PIS.

Reforma trabalhista. Repensar a missão da Justiça do Trabalho e do Ministério do Trabalho, que devem ser órgãos de promoção da produtividade e do emprego, e não entidades que estão em função de quem tem emprego contra quem cria.

Privatizações. Devem ser bem programadas e pensadas, não somente como forma de levantar recursos, mas como maneira de expandir a oferta dos serviços, já que o Estado não tem capacidade de investimento.