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A crise é cíclica, mas dolorosa

Ninguém discorda que a economia brasileira está atravessando uma das situações mais difíceis das últimas décadas. Recessão, inflação elevada, forte desajuste fiscal e enormes incertezas políticas formam uma combinação demasiadamente perversa, que mina a confiança de consumidores e de empresários e realimenta a crise. 

Por Claudio Adilson Gonçalez
Atualização:

No entanto, o consenso desaparece quando se coloca a seguinte questão: a crise atual é de natureza cíclica ou estrutural? No primeiro caso, uma vez feitos os ajustes na política macroeconômica, o crescimento voltaria, apesar de ser difícil de antever com precisão a duração do ciclo.

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Por outro lado, se os fatores estruturais forem preponderantes, então devemos esperar uma crise profunda e longa, podendo durar até uma década ou mais. Antes de abordar diretamente o tema, é útil fazer uma breve, ainda que não rigorosa, digressão teórica.

Os ciclos de negócios ou ciclos econômicos são flutuações da taxa de crescimento do PIB para baixo ou para cima em relação à sua tendência de longo prazo. Assim, observam-se períodos de crescimento relativamente intenso, seguidos por outros de recessão ou estagnação.

A teoria econômica é controversa em relação às causas e à natureza dos ciclos de negócios. Simplificadamente, pode-se dizer que, para os clássicos e os neoclássicos, as flutuações são causadas por fatores exógenos, tais como mudanças tecnológicas, guerras, acidentes naturais, assimetria de informação dos agentes econômicos ou interferências governamentais na economia.

Já para os economistas de esquerda ou para os mais próximos às ideias de Keynes, os ciclos econômicos surgem endogenamente da própria dinâmica de funcionamento do capitalismo, ou seja, são intrínsecos às economias de mercado. 

A meu ver, o Brasil está atravessando uma crise cíclica, causada principalmente por um fator exógeno, qual seja, a desastrada experiência heterodoxa iniciada no final do primeiro mandato de Lula, que recebeu o pomposo apelido de “nova matriz macroeconômica”. 

Assim, não creio que o Brasil esteja em uma recessão ou estagnação secular, da qual não se livrará antes que decorra um período de tempo suficientemente longo para que sejam feitas profundas mudanças estruturais pró-crescimento. Reformas estruturais exigem um grau de coesão política inexistente no País e que certamente não se logrará alcançar no atual mandato presidencial, além de demorarem para produzir resultados.

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É inegável que fatores estruturais, tais como sistema tributário gerador de ineficiências, baixo grau de abertura da economia, falta de incentivos para a inovação, péssima qualidade de ensino, precariedade da infraestrutura, entre outros, limitam muito o potencial de crescimento do País.

Ou seja, enquanto não forem solucionados, os óbices estruturais não permitirão que o Brasil cresça a taxas da ordem de 4% a 5% ao ano, como é necessário para ingressarmos no clube das economias de alta renda. No entanto, tais óbices não podem explicar uma queda do PIB da ordem de 2%, como deveremos observar neste ano.

A principal causa da violência da recessão atual se encontra na tentativa equivocada do governo de realizar uma política industrial financiada pelo erário, mediante desonerações tributárias para setores selecionados, incentivos fiscais ao consumidor e expansão desenfreada do crédito subsidiado fornecido pelos bancos públicos.

A injeção de cerca de R$ 400 bilhões pelo Tesouro Nacional no BNDES, para financiar projetos de retornos duvidosos, é uma evidência de quão danosa foi a política desenvolvimentista empreendida principalmente a partir de 2009 e levada às últimas consequências no ano eleitoral de 2014.

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Essa política, além de desorganizar as contas públicas, provocou o inchaço de vários setores da economia, com destaque para o automobilístico, o imobiliário, o de móveis e eletrodomésticos, entre outros. Sem a muleta governamental, vários setores precisam ajustar seu tamanho à capacidade de absorção da demanda. É isso e a falta de confiança dos agentes econômicos os principais motores da recessão.

A drástica redução das metas de superávit primário para este e para os próximos dois anos pode até mesmo custar ao País a perda do grau de investimento, mas não significa, a meu ver, o abandono da austeridade. Na verdade, é o reconhecimento de dois fatos cujas consequências negativas para as contas públicas são inexoráveis: corrosão da arrecadação provocada pela recessão e a rigidez da despesa governamental no Brasil. 

Apesar dessas dificuldades, o freio já imposto à expansão do crédito público subsidiado, a correção dos preços administrados e da taxa de câmbio, o retorno gradual a superávits primários que estabilizem a dívida pública, como proporção do PIB, e a ancoragem das expectativas inflacionárias não são realizações triviais para um governo sem nenhum apoio legislativo. 

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A depreciação cambial, não corroída pela inflação, graças à política monetária austera, deve melhorar o desempenho dos setores exportadores, embora isso só deverá ser visível daqui a alguns trimestres. A correção dos preços administrados, principalmente derivados de petróleo (que necessitam de aumentos adicionais) e energia elétrica, é fundamental para reequilibrar financeiramente esses importantes segmentos e capacitá-los a retomar o ritmo normal de investimentos.

Há ainda o programa de concessões na infraestrutura de transportes, concebido em bases mais realistas, por enquanto apenas uma esperança, mas que poderá ser um fator importante para tirar o País do atoleiro, caso realmente seja implantado.

Em resumo: o mergulho da atividade no corrente ano (e a provável estagnação em 2016) é um fenômeno cíclico, bem caracterizado na literatura econômica e não deve ser confundido com crises estruturais observadas em outras economias, como na Argentina e na Venezuela, por exemplo. Mantido o curso atual da política macroeconômica, o Brasil voltará a crescer dentro de um ou dois anos. Mas será um crescimento modesto, aí sim limitado por fatores estruturais.

*Economista, diretor-presidente da MCM Consultores, foi consultor do Banco Mundial, subsecretário do Tesouro Nacional e chefe da Assessoria Econômica do Ministério da Fazenda.

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