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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|A multiplicação das classes médias

Classe média já é 40% da população mundial, e cresce à razão de 140 milhões por ano; plebiscito da Catalunha, Brexit e eleição de Donald Trump mostram que esta massa vive uma irritação crescente

Foto do author Celso Ming
Atualização:

O plebiscito pela independência da Catalunha, o Brexit, a eleição de Donald Trump, o fortalecimento dos nacionalistas radicais na Alemanha, na França e na Turquia, as manifestações de rua em inúmeros países, inclusive no Brasil – todos esses fatos têm um ponto em comum: a irritação crescente das classes médias, num ambiente em que se multiplicam com enorme rapidez (veja o Confira).

Esse descontentamento tem naturezas diversas, mas motivação comum. Há aqueles que se rebelam porque sentem que estão lhes tomando comida de dentro do prato. E há aqueles que sentem que a comida prometida não chega nunca à mesa deles. Os dois grupos se misturam. Tanto se ressentem das fortes perdas em sua renda quanto de falta de acesso aos benefícios públicos.

Estudo do economista Homi Kharas mostra o crescimento da classe média global, com destaque para sua concentração na Ásia Foto:

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A rápida expansão das classes médias não é a única causa desses movimentos. Também têm a ver com a ascensão da China e dos demais tigres da Ásia que vêm incorporando mão de obra com baixos salários, movimento que, por sua vez, derrubou os preços dos produtos industrializados despachados para o resto do mundo. Têm a ver com o rápido processo de urbanização, com a popularização dos meios de comunicação, que criam consciência e novas necessidades; têm a ver com as crises financeiras, que derrubaram patrimônio familiar; e com a democratização da instrução, que também cria consciência e contribui para a mobilização das massas.

A insegurança aumenta também pelo desemprego, pela rápida automatização da produção, que é altamente poupadora de mão de obra, pela precarização da aposentadoria e pelo encarecimento dos serviços de educação e saúde.

Estão equivocados aqueles que teimam em explicar esses fenômenos como consequência da desigualdade ou da exclusão das massas dos benefícios da criação de riquezas. A globalização produz o contrário. O fenômeno básico é inclusivo. Nos últimos 15 anos, nada menos que 400 milhões de chineses foram guindados ao mercado de trabalho e de consumo. Hoje, 40% da população mundial faz parte de algum segmento de classe média, que cresce à razão de 140 milhões por ano, conforme calcula Homi Kharas, da Global Economy and Development. Diante de números assim, as esquerdas tradicionais não podem mais considerar as classes médias apenas como segmentos insignificantes da pequena burguesia, manipulada pelas classes dirigentes.

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A experiência ensina: quando o descontentamento se espalha rapidamente, em geral não se buscam soluções; buscam-se culpados e apontam-se inimigos. Esta é a principal razão pela qual por toda parte aumentam os movimentos racistas e a oposição à entrada de imigrantes e de refugiados.

O grande risco é o de que esse caldo de ressentimento leve à tomada do poder por pretensos salvadores da pátria, que tendem a optar por saídas totalitárias.

CONFIRA

» A expansão das classes médias

O economista paquistanês Homi Kharas, da Global Economy and Development, do Brookings Institute, é um especialista em classe média. Veja alguns dados publicados em seu último estudo:

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• Em 2016, as classes médias no mundo correspondiam a 3,2 bilhões de pessoas (40% da população mundial). Crescem hoje em torno de 140 milhões por ano. Em cinco anos, poderão ser 170 milhões por ano. Em 2020 deverão ser o maior segmento da população mundial. Por volta de 2030, cerca de dois terços das classes médias viverão na Ásia.

• Em 2015, as classes médias consumiam US$ 35 trilhões por ano. Em 2022, poderão consumir acima de US$ 45 trilhões por ano.

• São grandes fontes de pressão sobre os governos por melhores escolas e serviços de saúde pública. Ou seja, as classes médias terão grande peso eleitoral.

• “The unprecedented expansion of the global middle class”, de Homi Kharas, pode ser lido em: https://www.brookings.edu/wp-content/uploads/2017/02/global_20170228_global-middle-class.pdf

Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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