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A reforma do setor elétrico

O litígio judicial é um entrave à inovação e à modernização do setor elétrico

Por Adriano Pires
Atualização:

No início deste mês, o governo deu o pontapé inicial para a Reforma do Setor Elétrico, publicando uma nota técnica. O documento é a peça que norteia a consulta pública “Proposta de aprimoramento do marco legal do setor elétrico”, aberta a contribuições até o dia 4 de agosto.

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Apesar da atual conjuntura política e econômica, o Ministério de Minas e Energia vem unindo esforços para solucionar os problemas oriundos da fatídica MP 579. A nota técnica é a consolidação desses esforços, ao trazer consigo propostas de mudanças, deixando para trás o intervencionismo e optando por uma política mais pró-mercado.

Admitindo o esgotamento do modelo regulatório e comercial atual do setor elétrico, por causa da centralização da gestão de risco e da intervenção do governo, o documento corrobora que o litígio judicial se incorporou como estratégia comum para a preservação de posições de diversos agentes, no lugar da busca da eficiência empresarial e produtiva, como estratégia de melhora de posições competitivas. E esse contexto é um entrave à inovação e à modernização do setor elétrico.

Para o alcance das perspectivas traçadas, a consulta pública visa a agrupar interesses para aperfeiçoar o marco legal, regulatório e comercial do sistema elétrico do País. Entre as propostas, está a possibilidade de descotização e de privatização das usinas hidrelétricas, cuja energia é, atualmente, comercializada pelo regime de cotas.

Segundo o documento, a venda das usinas seria acompanhada de novo contrato de concessão e o resultado seria repartido entre os consumidores, via abatimento de encargos, a Eletrobrás e a União. Ponto para o governo.

Outra medida é a desjudicialização do risco hidrológico, medida pelo GSF. Nesse quesito, propõe-se retroagir a 2013 a compensação pelo deslocamento hidrelétrico causado pela geração fora da ordem de mérito (GFOM), com compensação mediante extensão de prazo de concessão. Essa seria uma solução que permitiria reduzir os impairments e mudar o perfil da dívida.

Também se propõe a alteração do dispositivo que prevê o Mecanismo de Realocação de Energia (MRE) para a mitigação do risco hidrológico como item a ser considerado na operação. A intenção é destacar o caráter eventual de um mecanismo dessa natureza, uma vez que um modelo de oferta de preço poderia tornar esse mecanismo disfuncional.

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Outro destaque é o retorno à questão do processo de ampliação do mercado livre, que teve início no governo Fernando Henrique Cardoso e ficou estagnado durante todo o governo PT. A intenção é de que a migração dos consumidores de alta e média tensão para o mercado livre alcance seu limite inferior (de 75 kW de demanda) até 2028. A extensão do mercado livre será gradual, de forma a garantir a sua sustentabilidade.

Como a visão de futuro norteia as propostas, outro ponto positivo são os mecanismos para a organização do sistema em termos de cobertura ao segmento de distribuição, de forma a estimular a inserção da geração distribuída. Nesse sentido, há a proposta do estabelecimento da tarifa binômia a todos os consumidores. Como o detalhamento da matéria foi deixado para a regulação, a única diretriz colocada é que o componente de uso da distribuição e da transmissão não seja cobrado por unidade de energia. A cobrança volumétrica do serviço de distribuição dificulta a inserção sustentável de medidas de eficiência energética ou micro e mini-geração distribuída, pois a economia no consumo de energia representa, inicialmente, a perda de receita da distribuidora e, posteriormente, se torna a transferência do custo evitado aos demais consumidores.

O documento é um grande avanço, exige aprimoramentos, o que é natural. Precisamos virar a página da era das trevas petista, na qual gente do governo e consultores iluminados achavam que sabiam o que era melhor para o setor e tinham a pretensão de sonhar nossos sonhos.

*É DIRETOR DO CENTRO BRASILEIRO DE INFRAESTRUTURA (CBIE)

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