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A ressurreição da reforma agrária?

O programa de reforma agrária estava engavetado, morrendo lenta e indefinidamente, como ocorre com muitas instituições e políticas públicas no Brasil, que sobrevivem a par das funções originais e continuam absorvendo recursos públicos, mesmo sem produzir resultados para a sociedade. Elas se mantêm porque os governos têm dificuldades para enfrentar os interesses que se reúnem em torno delas, mas também por serem úteis ao jogo político: empregam milhares de pessoas - a maioria funcionários bem-intencionados que acabam frustrados pela falta de um que fazer útil -, centenas de "autoridades" que representam as bases aliadas, milhares de cabos eleitorais e, pior de tudo, mobilizam a esperança vã de milhões de cidadãos de que um dia terão seus pleitos atendidos. Custam caro, mas servem para enganar e para governar. E, quando são fechadas, não demora muito são recriadas, às vezes com novo nome, mas com os mesmos vícios e o mesmo vazio que justificaram a extinção. Tudo indicava que este seria o destino da reforma agrária, cuja realização já estava fora da agenda do próprio governo federal. Mas o debate voltou, e animado! A ministra Katia Abreu declarou que não existe mais latifúndio no Brasil e que as intervenções fundiárias devem ser pontuais, com total respeito à legislação vigente que protege a propriedade privada, inclusive das ocupações, como eufemisticamente são classificadas as invasões feitas pelos movimentos sociais. O ministro Patrus Ananias discorda ipsis litteris da colega e diz que o latifúndio existe e predomina no agronegócio brasileiro, que é preciso observar com mais rigor o caráter social da propriedade da terra e atualizar os índices de produtividade tomados como parâmetros para as desapropriações. Prometeu reativar a reforma agrária, em novas bases. Embora eu me identifique com a visão da ministra Katia, de que intervenções fundiárias, se e quando necessárias, devem ser pontuais e baseadas num novo modelo, o latifúndio - entendido como uma propriedade grande - existe, só que deixou de ser improdutivo e hoje é responsável por boa parte do crescimento do setor mais dinâmico da economia do País. É também evidente que continuam existindo terras improdutivas, só que essa situação já não corresponde ao domínio de proprietários rentistas e absenteístas que impediam o desenvolvimento do País. Quem quiser buscar rentista deve olhar para as aplicações no mercado financeiro, com rentabilidade garantida pela própria política econômica, que continua favorecendo tais "investimentos" em detrimento da construção de um ambiente de negócios apropriado para estimular investimentos "produtivos". Terras "improdutivas", hoje, são quase sempre sinônimo de terras onde, nas condições vigentes, não dá mesmo para produzir, e desapropriá-las e redistribuí-las entre pobres é quase criminoso: joga-se dinheiro público fora sem nenhuma perspectiva de retorno social. É, ainda, evidente que ainda existem trabalhadores sem terras, parceiros e arrendatários que gostariam de ser proprietários e demandam terras. Resta saber por que essa aspiração, legítima, deve ser atendida à custa do direito de legítimos proprietários de terras, que procuram produzir da melhor forma possível, muitas vezes em condições adversas provocadas pela própria política pública. Também é certo que existem pobreza e violência no meio rural, que milhões de famílias ainda vivem em insegurança alimentar, que temos problemas com índios, quilombolas e outros que só serão equacionados com políticas de desenvolvimento sustentáveis, sólidas e consistentes, e não com discursos e puras políticas assistencialistas. Portanto, não é a ausência de problemas que justifica a "desnecessidade" da reforma agrária, mas sim o fato - constatado pela própria experiência brasileira após ter assentado 1,2 milhão de famílias sem impactos positivos significativos - de que a reforma agrária, reivindicada e concebida nas décadas de 50 e 60, não é hoje resposta eficaz para nenhum dos problemas do meio rural nem do Brasil.*Antônio Márcio Buainain é professor de Economia da Unicamp

Por Antônio Márcio Buainain
Atualização:

E-mail: buainain@eco.unicamp.com.br

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