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‘A tendência é que o mercado não dê tempo ao governo’

Saída de Levy e perda de grau de investimento devem agravar ainda mais a crise, diz pesquisador do Ibre/FGV

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  Foto: MARCOS ARCOVERDE | ESTADÃO CONTEÚDO

A perda do grau de investimento do Brasil na semana passada pela agência Fitch e a saída do ministro Joaquim Levy da Fazenda devem agravar ainda mais a crise econômica, na opinião do pesquisador do Ibre, Fernando Veloso. Para ele, “o governo é incapaz de resolver o desequilíbrio fiscal de forma ordenada”. Ele defende que, além de reformas econômicas, o País precisa de uma agenda de inclusão social, tema que ainda não foi encampado por nenhuma força política. A seguir, trechos da entrevista.

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Que efeito econômico terá a perda do grau de investimento?

É mais sério ainda do que foi a perda do grau de investimento pela Standard & Poor’s porque vários fundos estrangeiros não vão poder mais investir no Brasil. A tendência é deteriorar ainda mais o cenário econômico. O dólar deve se desvalorizar de forma mais acelerada. O Banco Central terá mais dificuldade em se comprometer com uma meta de inflação.

Como o País chegou a esse ponto?

Tudo isso é resultado da enorme dificuldade do governo em se comprometer com uma meta fiscal crível. Além disso, tem a dificuldade natural do governo na interlocução com o Congresso e com seus próprios pares. O resultado é a dificuldade de atingir um consenso e sinalizar uma trajetória sustentável da dívida pública, que deve chegar a 80% do PIB em 2018 ou eventualmente em 2017.

A questão de câmbio, inflação e juros já estava precificada pelo mercado financeiro?

Uma parte sim, mas nem toda. É difícil calcular quanto de recursos vai sair agora, mas há estimativas de que podem chegar a US$ 10 bilhões. Acho que vai além disso. A situação reforça que o governo é incapaz de resolver o desequilíbrio fiscal de forma ordenada.

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Qual o efeito da saída do ministro da Fazenda, Joaquim Levy?

Certamente vai agravar o quadro e aumentar as chances de rebaixamento também pela Moody’s. Levy defendia um ajuste fiscal mais forte, para recuperar a confiança de investidores. Nelson Barbosa (seu substituto) defende estímulos ao crescimento com medidas como investimento público, desonerações e empréstimos. Na minha visão, esse tipo de ajuste não vai funcionar. A desconfiança vai continuar e dificilmente haverá crescimento.

Que mudança pode ocorrer?

Talvez o governo tenha mais coesão política, porque vai ter um alinhamento maior entre a equipe econômica e a base no Congresso. Não acho que haverá uma volta ao passado recente, de enorme descontrole, de pedaladas. Só que, enquanto briga por um aumento do superávit primário, há projetos patrocinados pelo próprio governo na direção contrária. Certamente não será resolvido o dilema central que é como ficarão as contas mais adiante. Por exemplo os benefícios previdenciários com o envelhecimento da população.

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Uma definição sobre o processo de impeachment pode melhorar o quadro para a economia?

A incerteza é o problema central. É fundamental resolver isso. Em outros períodos enfrentamos situações parecidas. A recessão atual é da dimensão da recessão do início da década de 80, depois do governo Sarney. Também é parecida com o início do governo Collor, que acabou em impeachment. Podemos olhar mais para trás, no início da década de 60, no governo João Goulart. Era um período de enorme instabilidade política e de ruptura. Acho que agora não existe mais o risco de ruptura porque temos uma democracia consolidada, mas a pressão é forte.

Que cenário o sr. vê no caso do impeachment da presidente?

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Um cenário de impedimento, em princípio, pode possibilitar uma união nacional para fazer reformas necessárias. O PMDB sinalizou isso no documento “Uma ponte para o futuro”. Mas não me parece fácil. Há várias ameaças à chapa do PMDB, como o embate entre as facções no partido. Um elemento que falta nesse documento é o da inclusão. Houve enorme processo de inclusão social nos anos 2000 e essa demanda continua presente.

Qual o cenário no caso da permanência de Dilma?

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Ela pode adquirir legitimidade para fazer mudanças. Mas, mesmo que resista, vai ser com margem pequena. Sem o apoio do PMDB, com pouca base política e pouca legitimidade, será difícil fazer o ajuste necessário. Para isso é preciso muita convicção e articulação, coisas que o governo não tem se mostrado capaz de fazer.

Como fica a economia nos próximos anos?

Diante da magnitude dos problemas, um cenário onde pudesse haver alguma convergência entre diferentes forças políticas para fazer pelo menos as reformas minimamente necessárias, como a instituição da idade mínima de aposentadoria, seria o melhor quadro. Mas é muito difícil. Geramos um descolamento total da política fiscal. O ano está acabando e só agora foi aprovada a meta fiscal para 2016. A total falta de capacidade de articulação por parte do governo está impactando a política monetária. Um ponto que conta a favor é o fato de o País ter alto volume de reservas internacionais. Isso ajuda a limitar a possibilidade de um ajuste mais brutal como no passado, de ataques especulativos e crise cambial.

O governo consegue empurrar a situação até 2018 para que o próximo presidente faça o ajuste das contas públicas ou o mercado não dará este tempo?

Tendo a achar que o mercado não vai dar esse tempo. Em razão da reação do mercado, assim como dos consumidores e dos empresários, talvez o governo seja forçado a fazer um ajuste mais forte. Estamos vendo os investimentos se contraindo, a indústria está retrocedendo a níveis da década de 30 em proporção do PIB. Não vejo como empurrar isso com a barriga.

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E o que pode acontecer?

Em princípio haverá um ajuste via mercado, uma desvalorização do câmbio mais controlada, uma inflação que comece realmente a se soltar da meta. Há uma enorme resistência ao aumento de juros. É um cenário não muito otimista para os próximos anos. É preciso uma agenda não só de reformas econômicas mas, de novo, vou insistir na questão da inclusão social. Estudos mostram que as ações do governo em termos de gastos e políticas tributárias reduzem muito pouco a desigualdade social, ao contrário da Europa, onde a desigualdade cai muito após ações do governo. Isso não ocorre no Brasil porque o governo dá com uma mão e tira com a outra. Ao mesmo tempo tem o Bolsa Família e uma série de subsídios para empresas. O Estado reduz muito pouco a desigualdade. Não vejo nenhuma força política que tenha encampado essa agenda claramente, mas acho que certamente estará presente no debate para as próximas eleições.

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