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Agronegócio em debate

Na última semana o agronegócio foi tema de dois eventos, que reuniram quase 2 mil estudantes, professores e pesquisadores, produtores rurais, executivos de grandes empresas, lideranças política e empresarial e autoridades governamentais. O 53.º Congresso da Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural (Sober), em João Pessoa, de natureza mais acadêmica, focou nas relações entre agricultura, meio ambiente e desenvolvimento, e o 14.º Congresso da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) em São Paulo, com o tema Sustentar é Integrar, indagou como as mudanças de hábitos e de renda impactam o agronegócio. A seguir, flashes dos debates. Na Sober, Ademar Romeiro, do Instituto de Economia da Unicamp, mostrou que o desenvolvimento da agricultura se baseou no binômio simplificação do processo produtivo, que se expressa na monocultura em larga escala, e uso abusivo dos recursos naturais. O desafio hoje é "reverter este processo, introduzir sistemas produtivos mais complexos, como a integração lavoura-pecuária-floresta, proteger o meio ambiente e continuar elevando a produtividade total dos fatores". Isto exige mudanças "radicais" de paradigmas tecnológicos e, principalmente, das mentalidades das partes envolvidas. Eduardo Assad, da Embrapa, comentou sobre os desafios da descarbonização, da conservação de água, da produção de alimentos limpos e da preservação e utilização da biodiversidade.

Por Antônio Márcio Buainain
Atualização:

Para o Brasil, as principais fontes de redução das emissões são o controle do desmatamento e da pecuária extensiva. Assad mostrou que "temos feito progressos nas duas frentes, mas que ainda há muito a conquistar." A intensificação da pecuária e a recuperação das pastagens degradadas têm potencial para reduzir em 10 vezes a quantidade de emissão, mudando o status do boi de vilão para herói ambiental. E de quebra liberaria terras para outras atividades e reduziria a pressão sobre o desmatamento. Segundo ele, "o Programa Agricultura de Baixo Carbono (ABC) definiu e criou as ferramentas necessárias para mitigar as emissões, mas continua tropeçando na execução, concentrada nas áreas e nos produtores menos problemáticos, e praticamente inoperante onde é mais necessário".

José Ferres, do Ipea, mostrou que a racionalidade microeconômica nem sempre acompanha a lógica e determinantes macroinstitucionais: no caso da pecuária, os pecuaristas só investirão na recuperação das pastagens, se o sistema produtivo intensificado for rentável. E por que abririam mão de terras que se tornaram ainda mais produtivas e rentáveis? O Programa ABC, se bem-sucedido, dá conta da recuperação, mas não da liberação das pastagens, que exige mecanismos compensatórios mais efetivos para convencer os produtores a trocar a pecuária pela agricultura e silvicultura. Alexandre Mendonça de Barros, da MBAgro, presente na Sober e na Abag, chamou a atenção para três pontos. Primeiro, o boom da commodities passou, e mais uma vez a lavoura foi salva pela desvalorização do real. Segundo, ao contrário do que muitos pensam, inclusive no governo, o setor não está imune à elevação de juros e ao aperto da liquidez, que juntos têm potencial para arruinar a plantação. Terceiro, a competitividade e a sustentabilidade no novo ciclo exigem melhor controle dos riscos econômicos e otimização do uso dos fatores de produção, o que pode ser alcançado com os sistemas de integração lavoura-pecuária-floresta. Alerta que "produzir 365 dias no ano lança enorme desafio tecnológico e exige revisão do marco institucional, atualmente ruim para incentivar pesquisas, aprovar novas tecnologias e corrigir falhas de coordenação". O potencial é imenso, mas para colher é preciso plantar, regar, cuidar, atravessar tempestades, conviver com secas, expurgar pragas, ano após ano, sem esmorecer. Carlos Matos, da inovadora Agropecuária Itaueira, inventora da redinha do melão, mostrou que no agronegócio não se improvisa e que o sucesso e a competitividade exigem visão estratégica, muito trabalho, inovação, qualidade e paciência. Insumos e ativos escassos no Brasil, digo eu.*Professor de Economia na Unicamp

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