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Ajuste sem ilusões

Por Paulo R. Haddad
Atualização:

A austeridade fiscal nem sempre é uma boa ideia. Há situações em que ela pode se tornar uma ideia perigosa e germinadora de mazelas econômicas e sociais. Há que considerar o contexto histórico da economia de cada país antes de partir para o corte de despesas e aumento dos impostos. Quando o nível de desorganização da economia chega ao ponto em que estamos neste início de 2015, torna-se imprescindível um processo de austeridade fiscal, principalmente quando ainda não é conhecida da opinião pública a dimensão do valor presente do déficit potencial do conjunto das estatais, incluindo, em especial, os esqueletos das instituições financeiras federais (BNDES, Banco do Brasil, CEF). Mas não se pode ter ilusões sobre a eficácia dessa experiência de austeridade quanto aos seus impactos sobre a distribuição da renda e da retomada do crescimento econômico no Brasil. No curto e no médio prazos, as ações de um programa de ajuste fiscal tendem a aguçar as desigualdades sociais no País. Historicamente, esse tipo de programa precisa dar especial atenção aos aspectos redistributivos do conjunto de medidas que entram em cena. A elevação das taxas de juros beneficia principalmente os rentistas que detêm a riqueza financeira no País. Os aumentos da carga tributária e das tarifas atingem particularmente os orçamentos da classe média. A redução dos gastos com a quantidade e a qualidade dos serviços públicos (saúde, educação) prejudica o bem-estar dos mais pobres, os que mais deles necessitam. A elevação das taxas de desemprego traz incertezas e riscos sociais para trabalhadores urbanos e suas famílias. Keynes dizia que o capitalismo só poderia encontrar legitimidade se as pessoas de renda mais modesta continuassem a acreditar que as pessoas mais ricas mereciam sua sorte graças a suas contribuições construtivas para a sociedade, e não graças à especulação e ao roubo. Assim, como medida cautelar para que os mais pobres não paguem pelos desacertos de políticas econômicas do passado, há que preservar as políticas sociais compensatórias, ainda que aperfeiçoadas por maior controle em sua gestão operacional. Em seguida, não se pode subestimar a possibilidade de fracasso de um programa de austeridade fiscal, que se implementa num contexto de estagflação, de inflação elevada e de estagnação econômica, o que gera uma overdose de custos para a sociedade e um convite para intensa mobilização política por meio da democracia participativa. A doutrina da austeridade fiscal pressupõe que a retomada do crescimento econômico depende em grande parte do resgate da confiança de investidores e consumidores. Embora o processo de ajuste do desequilíbrio das contas públicas seja condição necessária e indispensável para o País voltar a crescer, ele não é, contudo, suficiente para superar o atual quadro de recessão econômica que nos envolve. Esta superação pressupõe coordenação de ações e de expectativas por meio de um sistema de planejamento governamental estratégico (mais indicativo, mais flexível, mais exato, mais rápido, mais descentralizado, mais participativo) articulado simultaneamente com as políticas econômicas de curto prazo. Assim, os custos econômicos e sociais do ajuste fiscal são imperativos e com impactos imediatos, enquanto seus benefícios tendem a se diluir no médio e no longo prazos, engravidados por muitas incertezas quanto à sua realização. As escolhas do atual processo de ajuste fiscal caminham mais na direção das ações incrementais de baixa intensidade (ajustes nas regras de acesso ao seguro-desemprego, variações nas alíquotas de impostos e taxas, etc.), e não na direção de ações reestruturantes de alta intensidade (um novo sistema tributário, uma nova legislação trabalhista e previdenciária, etc.), o que limita sua capacidade de transformar uma economia que, nos últimos 12 anos, deu um passo para a frente e dois para trás. *Paulo R. Haddad é professor emérito da UFME, professor do Ibmec/MG, foi ministro do Planejamento e da Fazenda do governo Itamar Franco 

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