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Ajustes - como e por quê

A nova equipe econômica convive com o desafio de, ao mesmo tempo, viabilizar a correção de rumos da política econômica, preservando no seu cerne a questão social, ganhar credibilidade com os tomadores de decisão e sinalizar claramente os objetivos e meios do ajuste em curso. Isso porque o ajuste não se consubstancia num fim em si mesmo, mas num meio de buscar recriar condições favoráveis à recuperação da capacidade de crescer. O exemplo europeu é, nesse sentido, elucidativo de que a busca frenética de ajuste fiscal a qualquer custo aprofunda, ao contrário de amenizar, a estagnação e/ou a recessão. Quanto às contas públicas, é importante resistir à prática usual no Brasil, nas últimas décadas, de cortar investimentos governamentais em face da maior dificuldade de reduzir gastos correntes. O investimento público, além de importante por si só, dado seu efeito multiplicador, é importante motivador para o investimento privado. Da mesma forma, é importante levar em conta a situação fiscal mais ampla, para além do resultado primário (receitas e despesas correntes do governo nas três esferas da União). Vale destacar que o custo do financiamento da dívida pública, principal fator que onera o resultado nominal, tem sido da ordem de 5,5% do PIB ao ano, algo equivalente a R$ 250 bilhões, ou cerca de dez vezes o custo anual do programa Bolsa Família. Ou seja, uma visão mais abrangente do quadro fiscal deve levar em conta todos os componentes dos gastos, ainda mais no nosso caso, tendo em vista o elevado ônus representado pelas despesas de financiamento da dívida pública. O Brasil segue sendo o único país que remunera com a maior taxa de juros reais do mundo as aplicações em títulos da dívida pública, independentemente do prazo de resgate. Além do mais, o elevado juro oferecido aos títulos públicos representa um alto custo de oportunidade para o investimento privado, em razão do encarecimento do crédito e do financiamento. Dificilmente se consegue viabilizar economicamente os projetos diante do encarecimento dos custos financeiros. Foi decidida, no início deste mês, a prorrogação do BNDES-PSI (Programa de Sustentação do Investimento) até dezembro de 2015, com novas condições. O custo da operação para máquinas e equipamentos foi elevado para uma taxa fixa de 7% ao ano (para micro, pequenas e médias empresas) e 9,5% ao ano (para médias-grandes e grandes empresas). Para bens de informática e automação a taxa de juros é de 6,5% ao ano (para micro, pequenas e médias empresas) e de 7% ao ano (médias-grandes e grandes empresas). Aqui vale a observação de que, ao contrário do que possa sugerir o senso comum, sob o ponto de vista da competitividade não se trata de subsídio, mas de tentativa de equiparação das condições de financiamento dos produtores locais às observadas nos principais países concorrentes. Embora as taxas praticadas no PSI sejam abaixo da Selic, atualmente em 11,75% ao ano, elas ainda são elevadas em termos internacionais. Países como China e Coreia do Sul, para citar dois dos principais países concorrentes, oferecem financiamento a taxas próximas de zero para os investimentos das suas empresas. Portanto, é importante não perder de vista que não se pode deixar contaminar as decisões estratégicas, de médio e de longo prazos, pelas medidas de estabilização de curto prazo. No caso brasileiro, o ponto fora da curva em termos de juros não está nas condições de financiamento de longo prazo, em geral restritas aos bancos públicos, mas na elevadíssima taxa de juros de curto prazo, para a qual não há precedente em nenhum outro país. Outro fator importante é a comunicação, algo falha nos últimos anos. É preciso transparecer de forma clara os passos a serem seguidos, seus objetivos, e sinalizar a saída. Do contrário, a percepção generalizada de que a situação econômica é muito pior do que a realidade pode gerar um clima exagerado de pessimismo, comprometendo a retomada.

Por ANTONIO CORRÊA DE LACERDA
Atualização:

*Antonio Corrêa de Lacerda é professor doutor e coordenador do Programa de Estudos Pós-graduados em Economia Política da PUC-SP. 

E-mail: lacerda.economista@gmail.com

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