ALHEIA À CRISE, CRISTALINA CRESCE E GERA EMPREGOS

Município goiano diversificou sua atuação no agronegócio e ficou entre as seis cidades que mais abriram vagas no Brasil

Publicidade

PUBLICIDADE

Por Renée Pereira (Texto) e Sergio Castro (Fotos)
Atualização:
5 min de leitura

Conhecida como a capital dos cristais, a pequena Cristalina, no leste de Goiás, virou paraíso do milionário mundo da agricultura. Localizado a quase 1.200 metros de altitude, o município é rico pela diversidade. Ali, como diria Pero Vaz de Caminha, tudo que se planta dá: de soja, milho e café até batata, cebola, alho, tomate e frutas. Um dos segredos está na tecnologia. Quando o clima não favorece, sistemas de irrigação são acionados para garantir a produtividade no campo. A cidade tem a maior área irrigada da América Latina e, por isso, produz o ano inteiro.

Não fosse pelo nome, poucos saberiam que Cristalina já foi um reduto do garimpo. Hoje em dia a vocação da cidade, a 131 quilômetros da capital federal, é facilmente percebida no comércio de insumos agrícolas, nos inúmeros silos de armazenagem que rodeiam o município e nas plantações que ocupam áreas a perder de vista. Empresas do setor alimentício, como Bonduelle, Fugini e Sorgatto, também estampam suas marcas na cidade, que se transformou num dos maiores PIBs (Produto Interno Bruto) agrícolas do Brasil. Ali, muitas vezes, não é o real a moeda principal da cidade, mas as sacas de grãos ou de hortifrútis.

Leia também

As condições favoráveis colocaram Cristalina entre os municípios brasileiros que mais criaram emprego no ano passado, apesar da crise econômica que assola o País. Segundo dados do Ministério do Trabalho, até outubro, estava entre as seis com maior número de empregos no Brasil. É claro que, como o resto do País, a cidade sente alguns reflexos da retração econômica, mas de forma mais amena do que outros municípios.

“Por ter atividade o ano todo, a cidade sente menos os efeitos da crise”, afirma o presidente da cooperativa de crédito Sicredi Planalto Central, Pedro Jaime de Araujo Caldas. Dali sai quase 40% de todo o alho consumido no Brasil e 10% da batata e da cebola nacional, além de ervilha, feijão e beterraba. No total, são 36 culturas diferentes produzidas em Cristalina. Quando termina a safra de uma determinada plantação, começa outra e logo vem o plantio e, assim, vai girando o ciclo do emprego e da renda na cidade. Hoje, segundo a prefeitura local, a taxa de desemprego está abaixo de 4%.

Mas nem sempre foi assim. A cidade, que vai comemorar seu centenário neste ano, teve origem na exploração de cristais no fim do século 19. O garimpo, porém, não deixou nenhum legado para o município, que hoje tem 53 mil habitantes. Até 2008, o índice de desemprego chegava perto de 39%, diz o prefeito de Cristalina, Luiz Carlos Attié. Mas a expansão da agricultura mudou o rumo da história. A expectativa é que Cristalina feche o ano com crescimento de 2% do PIB enquanto o País deve amargar 3% ou 4% de queda.

Fora da curva.Cristalina deve crescer 2% este ano 

Continua após a publicidade

Motor de crescimento. Os investimentos, embora de forma menos intensa do que em 2014, continuam movimentando a economia local, seja no ramo imobiliário, comércio ou na agricultura. De olho no aumento do número de visitantes que a cidade pode atrair por causa da expansão dos negócios agrícolas e na chegada de novas empresas, Airton Arikita, iniciou a construção de um complexo que inclui um hotel, uma área para eventos e um restaurante. No total, vai investir cerca de R$ 11 milhões no empreendimento, que emprega 43 pessoas na construção e estará concluído em dezembro. 

O restaurante foi inaugurado em abril de 2015 e tem 38 funcionários. Desde então, o estabelecimento virou reduto dos funcionários das grandes empresas da cidade. Na hora do almoço, trabalhadores com uniformes de várias companhias desfilam pelo amplo salão do restaurante Ity, que à noite vira o point dos endinheirados da cidade. “A reboque da agricultura há uma série de possibilidades de emprego na cidade”, diz Arikita, que também está investindo na plantação de 320 hectares de eucalipto. “Estamos empenhados na viabilidade do setor florestal. Queremos profissionalizar e agregar valor ao produto”, diz o empreendedor, nascido em Taquarituba, no interior de São Paulo.

Outro que diversificou os negócios é o mineiro Marcio Braga de Resende. Além de uma empresa de insumos agrícolas, equipamentos para ordenha e assistência técnica, Resende tem 46 hectares de área plantada de manga, além de eucalipto. “A logística de Cristalina é muito boa (está a 131 km de Brasília e a 281 km de Goiânia). Isso sem contar que nossa safra de manga começa quando termina a de São Paulo. É um ponto positivo pra gente.”

Apesar da piora da economia brasileira, ele manteve um grande investimento na construção da nova sede da Polo Produtos Agrícolas. O estabelecimento terá 6.300 metros quadrados (m²), sendo 2.400 m² de área construída com dois armazéns para sementes e fertilizantes. A transferência da loja, que hoje ocupa um imóvel alugado de 900 m², deve ocorrer no segundo semestre de 2016. 

A situação de Cristalina hoje é resultado de mais de 20 anos de investimentos, especialmente em tecnologia. Hoje, além de grandes produtores, a cidade também tem centenas de pequenos agricultores, que elevam a renda do município. Segundo o presidente da Associação dos Engenheiros Agrônomos de Cristalina, Renato Leal Caetano, a região tem 600 produtores e 1.200 famílias na agricultura familiar. “Isso produz um impacto positivo no número de empregos da cidade, cujo PIB Agrícola somou R$ 2,6 bilhões em 2014”, diz ele.

Marcas de peso. A presença de grandes empresas processadoras de alimentos em conserva também tem uma participação bastante relevante nos bons resultados que a cidade tem colhido nos últimos anos. A diretora do Sistema Nacional de Empregos de Cristalina (Sine), Elaine Fachinello, afirma que a oferta média por dia tem ficado na casa de 50 vagas, sendo que boa parte delas é destinada ao setor industrial. Mais recentemente tem aparecido oportunidades para o setor rodoviário, para trabalhar em praças do pedágio recém-inauguradas na BR-050.

“Recebo ligações de pessoas de cidades vizinhas em busca de vagas. Mas a prioridade é para a população local”, diz ela. A executiva observa, no entanto, que nem tudo é “um mar de rosas” em Cristalina. O comércio local deu uma arrefecida nos últimos meses.  “Até julho, as vendas foram muito bem. Mas, de repente, as pessoas passaram a ficar mais receosas e pararam de comprar”, destaca a presidente da Associação Comercial e Agroindustrial de Cristalina, Joana D’Arc Rodrigues da Silva Assad. Segundo ela, até meados do ano, o comércio tinha crescido 30% e agora caiu quase na mesma proporção.

Continua após a publicidade

Joana, que há 20 anos tem uma loja de roupas no centro de Cristalina, destaca que o poder aquisitivo da cidade cresceu muito nos últimos anos. Basta verificar as grandes caminhonetes que circulam pelas ruas do município – pelos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 29% da frota de Cristalina é formada por caminhonetes e caminhonetas. Mas o efeito do aumento na renda tem tido um efeito perverso para o comércio local. Com a proximidade de Brasília, muita gente prefere fazer compras na capital federal.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.