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Analistas veem forte mudança na política econômica

‘Tripé’ de metas de inflação, câmbio flutuante e rigor fiscal já não estaria valendo; BC rejeita ideia e tem apoio de alguns no mercado

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Por Fernando Dantas
Atualização:

O Brasil já não tem o mesmo regime de política econômica iniciado no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso e continuado por Luiz Inácio Lula da Silva, baseado no chamado "tripé" - metas de inflação, câmbio flutuante e altos superávits primários. Essa é a visão de uma significativa corrente de economistas e profissionais do mercado financeiro sobre a gestão econômica no início do governo de Dilma Rousseff.

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O Banco Central (BC), porém, contesta energicamente essa interpretação. A visão na cúpula da instituição é de que as fortes críticas que vem recebendo devem-se à incompreensão sobre o momento peculiar vivido pela economia brasileira. Assim, o tripé está firme, e o que existe são adaptações do regime à atual conjuntura.

No mercado, há também quem apoie a estratégia do Ministério da Fazenda e do BC, como o diretor do Departamento Econômico do Bradesco, Octavio de Barros. "Este momento excepcionalmente peculiar pelo qual passa a economia mundial e brasileira acabará redundando no fortalecimento do tripé."

O conflito de visões entre a equipe econômica e parte considerável do mercado atingiu um nível particularmente intenso nas últimas semanas, alimentado pela alta da inflação e pelo insucesso das últimas medidas para segurar a valorização do real.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-ministro das Comunicações e sócio-fundador da Quest Investimentos, acha que recente entrevista de Dilma ao jornal Valor Econômico indicou claramente que o Banco Central está trabalhando agora com o duplo objetivo de controlar a inflação e manter o crescimento econômico num ritmo visto como adequado pelo governo. "Quando ela falou que queria controlar a inflação e, ao mesmo tempo, crescer 5% apareceu a inconsistência", ele observa.

Segundo Alexandre Schwartsman, ex-diretor da área internacional do BC, e até recentemente economista-chefe do Santander, "o tripé ainda existe, mas está bem deteriorado - o (resultado) fiscal ninguém sabe o que é, o câmbio flutua a contragosto e o compromisso com as metas de inflação está desaparecendo a olhos vistos".

Para Schwartsman, a atual política econômica não é fruto de uma visão integrada e coerente do conjunto de fatores, mas sim "um conjunto de ações mais ou menos desconexas" que tenta atacar cada problema individualmente, sem prestar atenção às consequências no todo. Assim, busca-se evitar a valorização cambial sem se levar em conta que a apreciação neutraliza o impacto inflacionário da alta das commodities. Da mesma forma, tomam-se medidas para refrear o ingresso de capitais e busca-se aumentar o investimento, que necessita de financiamento externo. E, enquanto o BC tenta frear a demanda, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) opera a sua imensa carteira de crédito.

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Abaixo de R$ 1,60. O economista acha que a equipe econômica começa a perceber "os limites dessas intervenções sem uma estrutura coerente por detrás". Assim, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, teria reconhecido na semana passada os efeitos colaterais do controle de capitais, e, adicionalmente, o dólar voltou a cair, despencando bem abaixo do piso de R$ 1,60, que foi defendido por algum tempo.

Outro ponto de críticas do mercado seria a suposta tentativa do BC de tentar reduzir o ciclo da alta da Selic (taxa básica), com a utilização alternativa de medidas de contenção de crédito como aumento de compulsórios e de índices de capitalização, ou a recente elevação de 1,5% para 3% do IOF dos empréstimos à pessoa física.

Há uma interpretação de que o BC estaria relutante em estender muito a alta da Selic (que já subiu de 8,75% para 11,75% desde abril de 2010). Essa seria a causa para o fato de as expectativas de inflação do mercado para 2011 e 2012 (6,02% e 5%) estarem acima das projeções do BC - respectivamente de 5,6% e 4,6%. As razões da relutância do BC seriam evitar que a atratividade dos juros brasileiros para o capital externo aumentasse ainda mais, ou algum tipo de coerção emanada da Fazenda ou do Planalto.

Diversos economistas observam que a alta da Selic tem efeito mais poderoso e disseminado na demanda porque afeta todos os segmentos de crédito (ao contrário de algumas das medidas de contenção setorizada dos empréstimos, tomadas pela Fazenda) e, além disso, ao aumentar a rentabilidade das aplicações financeiras, estimula a poupança, o que também inibe o consumo. Na parte fiscal, há mais apoio no mercado ao corte de R$ 50 bilhões no Orçamento, embora ainda haja uma corrente cética.

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