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Apesar de estudar mais, trabalhadora doméstica ainda tem salário baixo

Idade média das trabalhadoras do setor aumentou, pois as jovens têm procurado novas possibilidades

Por Ayr Aliski e da Agência Estado
Atualização:

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou nesta quinta-feira, 5, um estudo sobre a situação atual das trabalhadoras domésticas no País. O estudo mostra que alguns avanços foram obtidos entre 1999 e 2009 - período de abrangência do trabalho -, como ligeiro aumento no nível de formalização e de anos de estudo, mas revela que o trabalho doméstico permanece sendo um espaço marcado por baixa remuneração (média abaixo do salário mínimo) e fracos índices de organização (sindicalização).

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O estudo mostra, ainda, que está avançando a idade média das trabalhadoras do setor, pois as jovens trabalhadoras têm procurado novas possibilidades ocupacionais. O Ipea destaca que o cenário do trabalho doméstico no Brasil é preenchido principalmente por mulheres e envolve, em maior grau, as mulheres negras.

As trabalhadoras domésticas negras, por sua vez, contam com condições piores nas relações laborais. O universo dos empregados domésticos envolve um grupo expressivo de trabalhadores no Brasil. Segundo o Ipea, o trabalho doméstico remunerado empregava, em 2009, cerca de 7,2 milhões de pessoas, ou seja, 7,8% do total de ocupados no País. A maior parte das vagas era preenchida por mulheres negras. "O perfil dessa ocupação remonta não só às raízes escravistas da sociedade brasileira, mas também às tradicionais concepções de gênero, que representam o trabalho doméstico como uma habilidade natural das mulheres", cita o estudo.

No total, as mulheres correspondem a 93% dos trabalhadores domésticos, uma proporção que não variou ao longo da década, destaca o Ipea. As mulheres negras representavam, em 2009, 61,6% do total de mulheres ocupadas no setor. A participação das mulheres negras aumentou ao longo do tempo, pois em 1999, este grupo respondia por 55% do total. Do conjunto geral de mulheres ocupadas em 2009, 17% (6,7 milhões) tinham o trabalho doméstico como principal fonte de renda, contra apenas 0,95% dos homens.

Envelhecimento

No decorrer dos anos, foi detectado o envelhecimento do segmento de trabalhadoras domésticas, com queda proporcional nas faixas etárias mais jovens, em especial até 24 anos, e aumento entre as mais velhas. As jovens entre 18 e 14 anos representavam quase 22% do total de ocupadas em trabalho doméstico, índice que caiu para 11% em 2009. Para o Ipea, uma das hipóteses para explicar essa mudança é o crescente aumento da escolaridade das mulheres jovens que, com maior qualificação, sentem-se capazes de buscar novas possibilidades de inserção no mercado de trabalho.

As trabalhadoras com mais de 30 anos passam a ter cada vez mais importância no setor, saltando de 56,5% das trabalhadoras domésticas em 1999, para 72,7%, em 2009. Sozinhas, as mulheres com 45 anos ou mais respondiam por mais de 30% da categoria em 2009. "É possível pensar que, dado o processo de envelhecimento populacional e o surgimento de novas possibilidade ocupacionais para as jovens trabalhadores, o trabalho doméstico, da forma como conhecemos hoje, tende a reduzir-se drasticamente", cita o documento.

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Gênero, cor e renda

Na divisão por gênero, entre os trabalhadores domésticos os homens ganham mais que as mulheres. O Ipea apurou que os trabalhadores do sexo masculino nesse setor tiveram rendimento médio de R$ 556,73 por mês em 2009. Trata-se de um valor 44% superior ao recebido pelas mulheres, que apuraram rendimento médio de R$ 386,45 por mês (R$ 364,84 para as negras e R$ 421,58 para as brancas). O salário mínimo nacional, naquele ano, era de R$ 465,00 por mês.

O Ipea identificou diferenciação de funções entre homens e mulheres contratados como trabalhadores domésticos. Os homens assumem posições como caseiros, motoristas e jardineiros. Às mulheres cabem as tarefas de cuidado com a casa e com as crianças.

O trabalho doméstico representava 21,8% da ocupação das mulheres negras em 2009, ante 12,6% das trabalhadoras brancas, destaca o Ipea. "Este fenômeno está relacionado a uma herança escravista da sociedade brasileira que combinou-se com a construção de um cenário de desigualdade no qual as mulheres negras têm menor escolaridade e maior nível de pobreza e no qual o trabalho doméstico desqualificado, desregulado e de baixos salários constitui-se numa das poucas opções de emprego", cita o estudo.

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Segundo o Ipea, "as situações de baixas rendas e de significativa importância destas para a renda familiar levaram a uma situação na qual, em 2009, 37,6% dos domicílios chefiados por trabalhadoras domésticas se encontravam abaixo da linha de pobreza". Essa linha de pobreza considera meio salário mínimo per capita. Em 1999, no entanto, esse índice chegava a 55,6%.

Trabalho infantil

Embora proibido pelo Decreto 6.481/2008, que regulamenta a Convenção 182 da OIT, a mão de obra infantil ainda é uma constante no setor. Cerca de 340 mil crianças e adolescentes de 10 a 17 anos estavam ocupadas no trabalho doméstico em 2009, o que representava 5% do total de trabalhadoras declaradas naquele ano. A boa notícia, ressalta o Ipea, foi a queda contínua na presença do trabalho infantil. Em 1999, eram cerca de 490 mil jovens ocupadas em emprego doméstico, ou seja, 9,7% do total das trabalhadoras domésticas existentes naquele ano.

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Educação

O nível de escolaridade das trabalhadoras domésticas saltou de uma média de 4,7 anos de estudo, em 1999, para 6,1 anos, em 2009. É um aumento médio de 1,4 ano de estudo em uma década. Apesar disso, a escolaridade média das trabalhadoras domésticas está longe do que verificado no conjunto de mulheres ocupadas, que aumentaram a média de estudo de 7,4 anos, em 1999, para 9,3 anos, em 2009. Além disso, as trabalhadoras domésticas negras apresentaram média de escolaridade menor (6 anos) que as brancas (6,4 anos).

Sindicalização

A associação a sindicatos e a atuação política por meio de organizações de classe envolvia apenas 2% das trabalhadoras domésticas em 2009 (133,7 mil mulheres), ante 18% da média dos trabalhadores brasileiros. O índice, entretanto, melhorou em relação a 1999, quando atingia apenas 0,89% das trabalhadoras domésticas. Entre os homens que realizavam trabalho doméstico em 2009, 4,1% eram filiados a sindicatos.

Perfil do trabalho

Em 2009, parcela de 2,7% das trabalhadoras domésticas residiam no mesmo domicílio em que trabalhavam, ou seja, cerca de 181,4 mil mulheres. O mais alto índice foi verificado no Nordeste, onde 5,3% das trabalhadoras moravam no local de trabalho. Em 1999, entretanto, parcela de 9% das trabalhadoras domésticas residia no domicílio onde trabalhavam (17,9% no Nordeste ). As trabalhadoras domésticas que moram no mesmo local de trabalho têm a maior carga de trabalho semanal: 75 horas, unindo tempo gasto em atividades prestadas aos empregadores e em afazeres domésticos próprios.

O Ipea verificou, também, uma queda na proporção de trabalhadoras que prestavam serviços em apenas um domicílio. Em 1999, eram 82,8% do total do segmento, caindo para 70,7% em 2009. Em sentido inverso, as diaristas, que representavam 17,2% em 1999; saltaram para 29,3% do total, em 2009.

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O aumento da presença de diaristas revela fatores positivos e negativos, ressalta o Ipea. Por um lado, representa uma tendência de maior profissionalização do emprego doméstico, com menor possibilidade de exploração em relação à jornada e com maior independência financeira. Por outro lado, as diaristas sofrem com menor possibilidade de serem formalizadas. "A compreensão de que inexiste um vínculo trabalhista entre trabalhadoras e empregadores impacta negativamente no acesso a direitos e impõe à trabalhadoras uma condição de autônoma que as afasta ainda mais da condição de proteção social, pois representa uma carga que suas baixas remunerações não conseguem arcar", cita o estudo.

A posse de carteira assinada ainda é um privilégio para pequena parcela das trabalhadoras domésticas. Em 2009, o grau de formalização era de 26,3% no setor, ante 69,9% na média das trabalhadoras ocupadas em outros setores. Entre as trabalhadoras domésticas negras, o grau de formalização era de apenas 24,6% em 2009, frente 29,3% entre as trabalhadoras domésticas brancas. No Sul, a taxa média de formalização verificada foi de 32%; alcançando 33% no Sudeste; mas caindo a 13,8% no Nordeste.

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